Notícia - Relação entre empresa e universidade no Brasil é tão intensa quanto nos EUA, mostra estudo
 Época Negócios Publicou uma notícia no dia:09/08/18 15:42:49

Relação entre empresa e universidade no Brasil é tão intensa quanto nos EUA, mostra estudo


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É comum ouvir em debates sobre a relação entre empresas e universidades que o Brasil deveria “fazer igual aos Estados Unidos” e aceitar mais “dinheiro privado”, para financiar pesquisas. O argumento parte do princípio que universidades brasileiras estariam perdendo a oportunidade de inovar simplesmente por não serem capazes de atrair investimento corporativo. Interessado nesta discussão, o pesquisador e diretor-científico da Fapesp Carlos Brito comparou os recursos recebidos por universidades americanas com as duas instituições brasileiras de ensino superior consideradas as melhores do país em diversos rankings. 

Os resultados, baseados em dados de 2000 a 2016, mostram que USP e Unicampcultivam um relacionamento com empresas tão intenso — em termos de investimento e coautoria de pesquisas — quanto instituições americanas estreladas, entre elas MIT(Massachusetts Institute of Technology), Universidade da Califórnia (UC Davis) e Berkeley.  "Várias pessoas ficam em uma discussão, muitas vezes até ideológica, de que a relação entre empresa e universidade no Brasil é fraca. Mas toda a vez que alguém vai medir descobre que não é", diz o pesquisador, ressaltando que se refere às melhores universidades do país.

Brito levantou os gastos de universidades em pesquisa e desenvolvimento (P&D) pagos com os recursos recebidos de empresas e dividiu pelos gastos totais em P&D pagos com os recursos vindos de empresas, agências governamentais e entidades sem fins lucrativos. Entre as cinco universidades analisadas, o primeiro dado que chama atenção é que o  percentual de gastos pagos pelas empresas(a conta é: recursos de empresas gastos em P&D/despesas pagas com recursos de empresas + agências + entidades em P&D) não ultrapassa 25% em nenhum caso. "No MIT, que é a universidade que mais conta com a participação de empresas nos Estados Unidos, essa razão é de apenas 22%", afirma Brito.

Entre 2006 e 2012, aliás, a Unicamp apresentou percentual superior ao do MIT em todos os anos, tendo alcançado 23% em 2007. Segundo o estudo, os percentuais para a USP e a Unicamp situam-se próximos aos da Universidade da Califórnia em Berkeley e da Universidade da Califórnia em Davis, em linha com a média das universidades americanas cobertas no levantamento anual de 2 mil entidades de ensino superior da National Science Foundation (NSF). A competitividade das universidades brasileiras na relação de recursos recebidos de empresas para financiar pesquisas se mantém em 2016, como mostra a figura abaixo: 

Razão entre os recursos advindos de empresas e a soma dos recursos de empresas, agências e entidades sem fins lucrativos para apoio à pesquisa nas 27 universidades dos EUA com maior dispêndio total anual em pesquisa (2016) e na USP e Unicamp (2016) (Foto: Pesquisa Carlos Brito Cruz/Artigo do Livro Repensar a Universidade: desempenho acadêmico e comparações internacionais.)


 

Além dos recursos, para classificar essa relação como "competitiva", o estudo também mediu o número de artigos científicos escritos em coautoria entre universidades e empresas. O crescimento na quantidade de trabalhos é notável, tendo duplicado entre 2000 e 2016. Na USP chegou a 2,8% em 2016 e, entre 2015 e 2017, considerando sete universidades paulistas, variou entre 1,8% e 4,3%. Nas universidades americanas analisadas, que incluem MIT e Berkeley, os percentuais de coautoria variam entre 1% e 5%. É claro que ao se analisar essa comparação é preciso se levar em conta que as instituições brasileiras publicam uma "centena de artigos", enquanto as americanas "milhares" por ano. 

Entre as 40 empresas com maior frequência na coautoria com universidades no estado de São Paulo (entre 2011 e 2017), apenas 12 são de origem brasileira. O estudo mostra que há o domínio de investimentos de multinacionais, como Novartis (181 trabalhos no total), Roche (152) e Merck (146). "A pesquisa que se faz nas universidades brasileiras é, de fato, cobiçada pelas empresas internacionais", diz Brito. "Por outro lado, há também o fator de que empresas brasileiras não têm atividades próprias de pesquisa avançada, apenas daquela chamada adaptativa [voltada às necessidades de seu negócio]. Quando a pesquisa é adaptativa não se vê benefício de interagir com universidade."

Repensar a universidade
O estudo de Brito integra o livro Repensar a Universidade: Desempenho Acadêmico e Comparações Internacionais, organizado por Jacques Marcovitch e pelo Cruesp, e lançado nesta quarta-feira (08/08). A obra discute como universidades podem repensar indicadores e métricas internas de modo a evoluir — e não apenas para seguir critérios estabelecidos pelos rankings internacionais. 

Brito defende que sua pesquisa cria uma base para levar a discussão "universidade-empresa" a outro patamar — e torná-la mais eficiente. "Podemos medir quantas empresas são criadas por estudantes — na Unicamp, por exemplo, são de 30 a 50 por ano. Podemos analisar a coautoria empresa-universidade em patentes, assim como avaliar a capacidade da universidade de licenciar essas patentes para que a indústria brasileira ganhe mais competitividade", afirma.

Cultivar esses indicadores poderia auxiliar o país a inovar mais. O professor defende que "ter uma economia mais aberta, com estímulo à competitividade" ajudaria a dar força à relação universidade e empresa.