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O EMPRESÁRIO QUE FAZ OS CAPACETES DE BRAD PITT E ADAM LEVINE
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u sou um péssimo administrador”, já avisa Paulo Amaral a PEGN quando a reportagem entra no seu ambiente de trabalho: um ateliê com três mesas, todo revestido de madeira escura, com uma cabeça de veado empalhada no chão, esperando para ser pendurada, e sofás de couro preto.
Amaral, que até as 18h30 ocupava uma das mesas, terminou de montar um capacete com estética vintage dos anos 60, parecido com os que Marlon Brando usava nas telas. E com os que Brad Pitt e Adam Levine, vocalista da banda Maroon 5, usam para dar rolês em suas motos antigas reformadas, que custam centenas de milhares de dólares.
Os capacetes dos famosos foram feitos ali, na Joe King Speed Shop, o ateliê de Amaral, localizado numa vila pacata no meio de uma avenida atribulada que corta a Vila Nova Conceição, bairro com o metro quadrado mais caro de São Paulo. Naquele espaço, ele costuma trabalhar acompanhado apenas de Porco, um buldogue francês de dez anos de idade.
Algumas semanas atrás, porém, ele cedeu diante do acúmulo de encomendas e contratou um ajudante para ajudar a montar os capacetes. “É muita coisa”, justifica o artesão paulistano de 39 anos, que produz de 40 a 60 peças por mês, a maioria delas despachada para EUA, Europa e Japão.
Filho de um médico bem-sucedido, Amaral desistiu de ser advogado no quinto semestre da faculdade de direito do Mackenzie. Na época, um dos seus maiores prazeres era puxar ferro. Então, aos 20 e poucos anos, abriu uma academia de ginástica em que cada aluno tinha um personal trainer. O negócio durou cinco anos, até 2007. “Demorei um pouco para falir. Saí devendo só três aluguéis”, brinca.
De volta à casa da mãe, ele usou o tempo livre para explorar sua obsessão: acessórios de motos antigas. “Sempre amei moto, meu pai e meu avô tinham moto”, conta. Com 10 anos, aprendeu a andar sobre duas rodas na fazenda da família. Aos 16, já rodava pela cidade. Os capacetes da década de 60, menores e coloridos, viraram um fetiche nesse seu período de desemprego. Quis comprar alguns em desmanche de motos, não achou nada, e começou a pesquisar modelos antigos em sites estrangeiros de venda de usados, como o eBay. Mandava trazer capacetes do Japão e dos Estados Unidos.
Depois de juntar uma coleção considerável, decidiu ir mais fundo. Desmontou um capacete para ver como era feito, e tentou reproduzir. “Não consegui remontar e ele foi pro lixo”, ri. Mas não parou por aí. Passou a montar novas peças com seus próprios designs.
Encontrou um bom costureiro de forros na Cracolândia, região do centro de São Paulo tomada por usuários de crack, e anunciou os primeiros capacetes em fóruns de motoqueiros. “Muita gente falou que era idiota”, ele lembra, porque capacetes desse tipo, mais enxutos, não obedecem às exigências do Inmetro. Não podem pegar estrada.
“Mas uma pessoa ou outra encomendou.” O costureiro de forros desapareceu e Amaral foi obrigado a tomar para si todas as etapas da produção. Quando Russell Mitchell, um dos maiores artesãos de motos do mundo, veio ao Brasil, Amaral correu até ele. Os dois ficaram amigos e o americano levou um capacete na bagagem de volta. Russell começou a aparecer no seu programa de TV com a peça. Um dia, Amaral recebeu um e-mail.
“Olá, somos da banda Maroon 5, não sei se você conhece. Queríamos fazer uma encomenda.” O cliente era o cantor Adam Levine, que também é jurado do The Voice americano. Ele havia comprado uma moto de Mitchell, que recomendou os capacetes brasileiros.
Nesse começo de empreitada, a lei da oferta e da demanda operou a favor de Amaral, de uma maneira bem incomum. “Eu era tão perfeccionista que atrasava os pedidos, não respondia e-mail de cliente. Mas aí, quando o cara recebia a entrega, oito meses depois, já tinha virado um objeto de desejo.”
E os capacetes difíceis de comprar viraram um fetiche na comunidade motoqueira. Com essa irregularidade, porém, o negócio levou um tempo para entrar no azul. Amaral demorou um ano para perceber que estava vendendo capacete por um valor próximo ao preço de custo, US$ 115.
Também comeu mosca ao encomendar um caro lote de botões a uma fábrica de Hong Kong antes de abrir sua empresa: as peças ficaram retidas na alfândega e acabaram incineradas, causando-lhe um prejuízo de US$ 4 mil. Em 2010, Amaral finalmente transformou o hobby em profissão, abrindo a Joe King. Em 2015, montou o ateliê, cujo endereço não revela nas redes sociais, para não ser aborrecido com visitas. “Preciso de foco para trabalhar”, explica.
O fato de 95% da produção de Amaral ser exportada cria uma sazonalidade invertida para o negócio. Quando é verão no Hemisfério Norte, de junho a agosto, suas vendas explodem. No fim do ano, o número de pedidos cai. O processo de venda segue a lógica da alta-costura: o cliente tem a cabeça medida, indica o modelo desejado (entre quatro opções de capacete aberto e duas de versão fechada) e finalmente escolhe desenho, cor, forro e ferraria.
Os capacetes custam de US$ 250 a US$ 600 e levam meses para ficar prontos. Amaral, que fugia das aulas de matemática, estima que fature R$ 1 milhão por ano — mas não tem muita certeza.
Na balbúrdia de seu ateliê há garrafas vazias de uísque, revistas Playboy antigas e uma Harley-Davidson AMF de 1976. A moto, que está a dois metros do chão, foi um presente que sua mãe deu ao seu pai quando os dois se casaram.
Após a morte do pai, quando Amaral tinha 18 anos, a Harley ficou encostada na garagem da avó — até que a matriarca decidiu que ela ocupava espaço demais e a colocou na rua, para o caminhão de lixo levar. Durante 15 anos, Amaral tentou recuperar a Harley na internet e em vendedores especializados, sem sucesso.
Até que, no Natal de 2013, um dos seus tios disse ter visto a moto na casa de um vizinho da avó. Amaral foi até lá, propôs comprar a moto de volta, mas o vizinho foi camarada e a devolveu, sem cobrar nada. Parecia mesmo um conto de Natal. Comovido, Amaral levou uma caixa de uísque para o vizinho — que, descobriu depois, não bebia.
Embora ruim de contas, Amaral é bom de marketing. Assim que entrou no universo de acessórios vintage, procurou todos os caras bons desse mercado e deu um capacete para cada um. Além disso, promoveu o evento Two Wheels Brazil, que reuniu 5 mil pessoas em 2011 e 2012.
Seu nome circulou entre motoqueiros americanos e chegou até Brad Pitt, que encomendou um capacete por e-mail. Por receber mais pedidos do que pode atender, ele não faz descontos. “Quando chega a Black Friday, anuncio que meus produtos ficam 40% mais caros, só pra tirar onda”, afirma.
Ele não quer sócio no negócio de capacetes, mas topou abrir um café, o King Coffee Shop, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, agora no segundo semestre de 2018, em parceria com um amigo herdeiro de fazenda. “Juro que não vou cuidar da administração. E só vendo meu ateliê se uma fábrica chinesa topar pagar US$ 10 milhões”, ele ri. Até os rebeldes têm seu preço.