Notícia - SARAS SARASVATHY: “NINGUÉM PRECISA DE VENTURE CAPITAL”
 13/12/18 12:25:50

SARAS SARASVATHY: “NINGUÉM PRECISA DE VENTURE CAPITAL”


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A professora Saras Sarasvathy costuma abrir seu MBA em empreendedorismo com a pergunta: “Vocês querem que eu ensine como criar uma empresa ou como conseguir aportes?”.


Essa é uma das teses que defende na nova edição de seu best-seller, com lançamento previsto para 2019. O livro revisita o método effectuation para mostrar, de forma prática, como usar quem você é, o que sabe e quem conhece para abrir uma empresa de sucesso.A provocação tem uma razão de ser: Saras, autora do premiadíssimo Effectuation: Elements of Entrepreneurial Expertise, acredita que os empreendedores de hoje estão mais focados em criar apps “disruptivos” e buscar investimentos do que em criar empresas reais, que gerem valor para a sociedade.

A pesquisadora, que esteve em São Paulo para o X Egepe — Encontro de Estudos sobre Empreendedorismo, prepara mais dois livros para 2019, sobre as difíceis relações com parceiros e investidores.

Você está preparando a segunda edição do livro que lançou o método effectuation. O que essa versão traz de novo?

Tanta coisa aconteceu nos últimos dez anos... Quando escrevi o livro, em 2008, tudo que eu queria era provar que era possível desenvolver um método para o empreendedorismo. Estava cansada de ver o tema ser tratado como uma coisa mágica, mítica, que não podia ser ensinada. Mas a repercussão foi muito além do que eu imaginava. Hoje, há mais de 5 mil universidades usando o meu método. E centenas de empresas foram fundadas usando a nossa abordagem. Todo esse movimento possibilitou que eu coletasse muitos dados novos. Hoje, tenho uma visão muito mais detalhada sobre como o ciclo de effectuation funciona. Então tudo isso estará na segunda edição. Ainda em 2019, vou lançar mais dois livros: The Ask, sobre relações com parceiros, e Equity, sobre investimentos.

As técnicas do effectuation ainda se aplicam em 2018?

Mais do que nunca. A essência continua a mesma: o effectuation é um processo que torna possível abrir e comandar uma empresa sem precisar recorrer a previsões sobre o futuro, ou tomar decisões baseado em cenários que ainda não aconteceram. Em vez disso, o empreendedor lança mão de técnicas e estratégias baseadas em dados reais, que aumentam suas chances de sucesso. A cada dia, vejo que os empreendedores estão descobrindo novas maneiras de aplicar o meu método. Isso faz com que eu me sinta  uma das pessoas mais privilegiadas do planeta.

Acredita que conseguiu cumprir sua missão de derrubar mitos do empreendedorismo?

Acho que demos passos importantes nesse sentido. Veja bem, um dos princípios do effectuation é que não existem requisitos básicos para você se tornar um empreendedor. Você não tem de ter uma visão. Você não tem de gostar do risco. Você não tem de focar em venture capital. Se você tiver uma grande visão, pode até construir uma grande empresa. E, se gosta de riscos, vá em frente. Mas nada disso é necessário.

Estudei a trajetória de muitos empreendedores bem-sucedidos e percebi que a maioria deles não tem essas características. O empreendedorismo é maravilhoso exatamente porque não há nenhum pré-requisito. Empreendedores diferentes criam empresas diferentes. Talvez a única condição seja gostar de trabalhar com pessoas.

Então, a questão principal não é: “Será que eu tenho jeito para empreender?”. A questão é: “Levando em conta quem eu sou, o que eu sei e as pessoas que eu conheço, que tipos de negócios bem-sucedidos eu posso abrir?”. E daí as técnicas do effectuation vão te ajudar a criar uma grande empresa.

Saras Sarasvathy (Foto: Daniela Toviansky)

Na era digital, em que as escolhas são infinitas, ficou mais difícil aplicar o método?

Sim, isso criou uma dificuldade. No passado, as escolhas eram limitadas pela pobreza e pela falta de educação formal. Eu nasci e cresci na Índia. Lá, quando você terminava o ensino fundamental, tinha três escolhas: Artes, Comércio ou Ciência. Não havia milhares de graduações para escolher, como é hoje.

Não havia gente tirando dois anos para viajar pela Europa, ou então saindo da faculdade direto para abrir uma empresa. Hoje, muitos estudantes me dizem: “Posso ser tantas coisas, mas não sei o que quero”. Eles estão confusos, não sabem qual é a sua paixão, ou mesmo o que significa ser apaixonado por uma ideia. O que eu costumo dizer é: não importa o que você escolha agora, isso pode mudar com o tempo, dependendo de quem apostar na sua ideia e de quem for trabalhar com você.

Não é preciso criar um grande compromisso de cara. Invista apenas aquilo que está disposto a perder. Você pode dizer “Vou apostar nessa ideia por seis meses”, ou “Vou manter o emprego e empreender dois dias por semana”. Ao longo do caminho, vai aprender o que funciona ou não. E, mais cedo ou mais tarde, vai encontrar a sua paixão, aquela coisa na qual você é muito bom, e também tem muita vontade de fazer.

Quais são os maiores equívocos que as pessoas cometem ao falar sobre effectuation?

O maior de todos é assumir que effectuation é apenas um método de tentativa e erro. É uma abordagem muito sistemática, com lógica e método. Todas as escolhas são baseadas em técnicas e muita reflexão. Outro equívoco é achar que eu aboli o plano de negócios. Eu não tenho nenhum problema com planos, desde que o fundador não assuma que o que está escrito ali vai realmente acontecer daquele jeito.

Um plano de negócios é uma ferramenta de comunicação: você faz para submeter a um banco, ou a um parceiro. É como se dissesse: “Eu acho que vai funcionar assim”. O plano também funciona como um exercício, pois possibilita que você pense no negócio em diferentes cenários. Mas, se você encarar aquilo como um guia, vai limitar suas opções muito rapidamente.

E, se qualquer coisa der errado, todo o plano irá por água abaixo. O mesmo vale para a pesquisa de mercado. Pode usar, desde que seja feita com base no passado, e não em previsões. Se alguém diz que vai comprar algo, isso não me interessa. Agora, se a pessoa revela o que comprou nos últimos sete anos, pode ser bem útil. Não quero saber de clientes potenciais. O único cliente que me interessa é o que compra.

Recentemente, você atacou as startups do Vale do Silício, dizendo que ninguém precisa de venture capital para crescer. Acredita mesmo nisso?

Quando você estuda as empresas mais bem-sucedidas, em termos de receita, número de clientes, geração de emprego ou longevidade, percebe que a maioria delas nunca teve um investimento de venture capital. Na verdade, muitas delas nem mesmo tiveram investimentos externos, a não ser o que veio de família e amigos ou, no máximo, um empréstimo bancário.

Muitos negócios são construídos apenas com o reinvestimento dos lucros. Mesmo nos Estados Unidos, que têm uma indústria de venture capital muito poderosa, de cada 500 mil empresas fundadas todos os anos, menos de mil recebem venture capital. Entre as empresas que abrem capital, menos de 30% tiveram aportes. Isso mostra que o venture capital tem um papel ínfimo no cenário de negócios, incluindo as startups.

E mesmo assim, quando você lê os jornais e revistas, parece que é o Santo Graal, tudo o que as pessoas querem. Isso não faz o menor sentido para mim. Outro detalhe importante: bons investidores de venture capital não saem por aí apostando em qualquer um.

Eles procuram empresas reais, que entregam serviços para consumidores reais, e têm funcionários reais. Eu digo para os meus estudantes: construa um negócio real e um investidor irá bater na sua porta.

Esse é o princípio do effectuation ask. Como funciona exatamente esse método?

A proposta do Ask é mudar a maneira como o empreendedor pensa sobre investidores: “Eu faço o meu pitch, explico a minha visão do negócio, e daí você me dá o que eu pedi”. Nesse cenário, só existem duas possibilidades: ele ouve um “sim” ou um “não”. Eu sugiro outro tipo de abordagem. Converse com potenciais investidores ou parceiros e diga: “Eu tenho essa proposta para construir um negócio, e tenho uma ideia de como pode funcionar. O que você acha?”.

Convide-os a pensar com você. Daí eles vão sugerir ideias, modelos de negócio, parcerias. Todo o processo se transforma em uma cocriação. E é muito mais fácil eles investirem quando se sentem parte de algo maior. Na minha opinião, essa é uma das lições mais valiosas que o empreendedor pode aprender: convidar as pessoas para construir a empresa junto com ele.

E daí ele não terá como retorno apenas conselhos vazios, mas sim um compromisso verdadeiro. Acompanhado por investimentos. Que nem sempre vêm na forma de dinheiro. Muitas surpresas podem acontecer.

Que tipo de surpresa?

O seu cliente pode virar seu investidor, por exemplo. Isso acontece muito no caso de negócios B2B. Você tem um cliente ou um parceiro corporativo que financia o desenvolvimento da sua tecnologia.

O caso mais famoso é o da Microsoft: basicamente, a IBM pagou para que eles criassem um software, e daí eles venderam esse software para o resto do mundo. Há muitas histórias em que um cliente coorporativo financia o produto. Nesse caso, os recursos não vêm de um investidor, e sim de alguém que faz parte da sua cadeia produtiva. 

Você critica as startups da Índia, seu país natal, dizendo que não geram benefícios para a sociedade. Por que isso acontece?

Não é só na Índia que isso acontece. E eu acho que a mídia tem uma parcela de culpa nisso. Hoje os veículos não falam mais sobre negócios tradicionais. Eles menosprezam as coisas maravilhosas que estão acontecendo em países em desenvolvimento, com companhias baseadas em serviços e produtos reais. Existe todo um hype em cima das startups, por causa do foco em tecnologia, mas também por causa do dinheiro que atraem.

Hoje é comum uma startup conseguir US$ 8 milhões de algum milionário americano, ou de um fundo de venture capital. As pessoas assistem a esses movimentos como se estivessem vendo um filme de Hollywood. Mas as companhias realmente boas não precisam disso, porque geram receita internamente e conseguem crescer dessa maneira.

Se você for atrás das empresas que criam mais empregos em uma determinada cidade, vai descobrir que se trata de algo tradicional, como uma confecção, por exemplo. Mas a mídia não fala disso, prefere o Vale do Silício, um lugar que não gera empregos. Hoje, a Califórnia é um dos estados que menos empregam nos Estados Unidos.

"Em vez de fazer um pitch, convide o investidor a criar a empresa com você. Daí ele vai sugerir ideias, modelos, parcerias." 

Você acha que os empreendedores de lá estão muito focados no dinheiro?

Muito. Eu costumo dizer nas minhas aulas: “Vocês querem que eu ensine como criar uma empresa ou como conseguir aportes?”. São coisas diferentes. E esse é um dos conflitos centrais do empreendedorismo hoje. Você tem duas escolhas: ganhar dinheiro por meio do dinheiro, ou ganhar dinheiro construindo produtos e serviços reais para seres humanos reais, e gerando valor para essas pessoas. Nós sabemos que há bilhões de pessoas criando negócios reais. Mas, para quem sai de um MBA, a ideia de ganhar dinheiro com dinheiro é mais excitante. Acho isso muito triste.

O que exatamente você chama de negócios reais?

Muitos empreendedores pensam: “Eu vou ter uma ideia para um aplicativo disruptivo,  vou pagar para alguém desenvolver, colocar na App Store, e daí vou pedir US$ 2 milhões para um fundo. Foi assim que o Uber e o Airbnb começaram, certo?”. Errado. Os fundadores do Airbnb colocaram um colchão no apartamento deles e alugaram o quarto para um cliente real.

Daí foram para Nova York e bateram na porta dos apartamentos das pessoas, perguntando se elas topariam colocar um quarto para alugar no Airbnb. Quando perceberam que o número de clientes demorava a crescer, chamaram fotógrafos para se hospedar e tirar fotos dos apartamentos. Só que eles não queriam fazer isso de graça. Então a empresa fez uma parceria com esses profissionais, construindo uma plataforma exclusiva para eles, em troca das imagens.

Veja bem: mesmo para construir uma empresa de tecnologia, você tem de lidar com pessoas reais — e só depois recorrer aos fundos. E há muitas empresas criando coisas que eu e você usamos no dia a dia, que não envolvem tecnologia, a não ser de maneira indireta. Na maioria das vezes, a tecnologia vai entrar mais tarde, apenas como uma ferramenta para escalar a empresa, nada mais do que isso.

Muitos empreendedores tentam construir parcerias, mas fracassam no meio do caminho. Por que acha que isso acontece?

Racionalmente, os empreendedores sabem que, para estabelecer parcerias, é preciso confiar no outro e deixar que ele confie em você. Mas não são muito bons nisso. Esse é um dos temas que estou pesquisando no momento, para ensinar na sala de aula. Para que a parceria funcione, é preciso estruturar o relacionamento da maneira certa.

A maioria das pessoas passa o tempo todo preocupada com coisas como propriedade intelectual, participação nos lucros e o que vai acontecer se os parceiros discordarem. E esquecem do principal: criar um bom relacionamento com a pessoa que está te encarando do outro lado da mesa.

Em vez de se preocupar tanto com regras e números, os parceiros deveriam integrar os dois negócios. Em um esquema de colaboração, as regras podem ser muito mais orgânicas e flexíveis. Tudo pode e deve ser conversado.

Saras Sarasvathy (Foto: Daniela Toviansky)

O raciocínio vale para o corporate venture? Como fazer esse tipo de parceria funcionar?

Mais uma vez, estamos falando sobre questões de relacionamento. A diferença é que, em alguns aspectos, uma corporação tem muito mais poder que o dono da startup. Mas empreendedores experientes sabem que você não cria uma relação com uma companhia, e sim com pessoas. Vou te dar um exemplo.

Um estudante veio conversar comigo e me disse que uma grande companhia estava movendo um processo contra sua startup, porque um produto seu tinha um nome muito parecido com um artigo da corporação. Ele me perguntou: “Mas já coloquei o nome nas embalagens de 100 mil produtos, o que eu faço agora?”. Eu disse: “Não deixe os advogados resolverem isso. Faça a coisa lógica e vá falar com o CEO. Explique que não quis burlar a propriedade intelectual, que vai mudar o nome, mas tem US$ 200 mil em produtos que vai perder”.

Nesses casos, a grande maioria dos CEOs vai dizer: “OK, use o nome dessa vez, mas depois mude imediatamente”. Alguns deles irão perguntar sobre o seu produto, para tentar entender a coincidência de nomes. No final, o CEO pode acabar até mesmo investindo na sua startup. Porque você focou no relacionamento. Muitas vezes, as pessoas têm tanto medo das instituições que esquecem de ser humanas.

Você evita contar detalhes sobre sua vida pessoal. Por quê?

Eu sempre acreditei que, se eu começasse a falar sobre mim, as histórias não seriam mais sobre o método que eu inventei, e sim sobre a pessoa que inventou o método. Mas posso contar que fui uma empreendedora na Índia, antes de ganhar uma bolsa e me mudar para os Estados Unidos. Enquanto empreendia, fui me envolvendo com educação.

Comecei a perceber que havia muito mais sobre o empreendedorismo do que as pessoas estavam ensinando. Eu sabia que havia muitas lições a serem aprendidas pesquisando a história e as estratégias das empresas bem-sucedidas. Eu precisava sistematizar isso, para que pudesse ser ensinado em sala de aula. E o único jeito de conseguir era devotar minha vida inteira a isso.

De certa maneira, faz sentido, porque eu devo toda a minha vida ao empreendedorismo. Eu jamais teria estudado nos Estados Unidos se não tivesse recebido uma bolsa de estudos da Darden Foundation, uma organização de fomento ao empreendedorismo ligada à Universidade de Virgínia. É por isso que sempre acreditei que empreender é muito mais do que ganhar dinheiro.

De todas as coisas que conquistou, o que a deixa mais orgulhosa?

Eu me considero uma pessoa sortuda porque, apesar de ter crescido na Índia, consegui me estabelecer nos Estados Unidos. Sou boa em linguagens, adoro escrever, tenho um método conhecido e respeitado no mundo inteiro. Mas existe uma situação que me enche o peito de orgulho. Eu tenho amigos que são excelentes economistas, sociólogos, psicólogos. Pessoas renomadas, que são mestres em universidades de prestígio.

No começo, muitos deles eram céticos e críticos a respeito do meu trabalho. Mas aconteceu que alguns deles, recentemente, foram chamados a dar aula em cursos de empreendedorismo. E, no decorrer do curso, acabaram lendo um artigo meu, ou um livro meu.

Um belo dia, recebo um telefonema de um deles, que me diz entusiasmado: “Precisava falar com você! Agora eu finalmente entendo como o seu trabalho é brilhante! Como eu não percebi antes?”.

Não consigo nem explicar por que isso é tão importante para mim. Mas nada me deixa mais orgulhosa. Ser reconhecida por um dos meus pares, que era cético, mas teve uma experiência de conversão, é especialmente gratificante. É uma validação real, algo que me deixa muito emocionada.