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Escritórios modernos são mais parecidos com as cidades operárias do que você pode imaginar
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Ambientes coloridos, comida de graça, sofás e videogames. Para muita gente que trabalha em escritórios sem graça, isso pode parecer um sonho. Com personal trainers, instrutores de yoga, massagistas e entretenimento no local de trabalho, os colaboradores chegam cedo, “viciam-se em produtividade” e frequentemente ficam nos escritórios até tarde. Em fevereiro, por exemplo, o CEO da plataforma de software VideoAmp, Rory McCray, afirmou que “encoraja um ambiente em que os funcionários praticamente morem no escritório”.
Para outra startup, montar e gerenciar esses ambientes de trabalho modernos virou um negócio. As unidades do WeWork têm amenidades como comida orgânica, salas de reunião e academias, além da promessa de encontrar empreendedores e uma cultura que incentiva os residentes a formar relações entre si. Para o The New York Times, pode ser o “tipo de ambiente de trabalho que você nunca vai querer deixar”.
As cidades operárias como modelo corporativo
Produto da crescente industrialização nos séculos 18 e 19, e em alguns casos até meados do século 20, as cidades operárias começaram como um experimento social. A questão era: uma empresa poderia criar uma cidade onde seus funcionários morassem e vivessem por muitos anos — talvez do berço até a cova?
A maioria das cidades operárias tinha algumas características: uma força de trabalho relativamente grande que precisava morar perto do moinho, mina, fábrica ou campo de petróleo (muitas vezes antes de estradas e carros tornarem as viagens mais fáceis); uma extensão de terra de propriedade da empresa; habitação dada como parte do pagamento pelo trabalho; uma loja, também da empresa contratante, onde eram vendidos os produtos básicos para sobrevivência das pessoas, usualmente mais caros do que o praticado no mercado; e proprietários e gerentes que exerciam poder para impor políticas rígidas sobre o comportamento moral e a conduta adequada dos funcionários.
O historiador Hardy Green, no livro The Company Town: The Industrial Edens and Satanic Mills That Shaped the American Economy (A cidade operária: os édens industriais e fábricas satânicas que moldaram a economia americana, em tradução livre), diz que as cidades operárias ficavam entre a exploração explícita (o que ele chama de "Exploitationville") e uma utopia. Em alguns casos, notadamente em cidades construídas por mineradoras de carvão, o débito dos funcionários com a empresa empregadora só aumentava, porque o custo de vida frequentemente era maior do que os salários. Em suma, Green relata que tais Exploitationvilles eram projetadas para “reconciliar trabalhadores com vidas de trabalho incessante e mal remunerado”.
Mas além das Exploitationvilles, Green fala também das utopias, baseadas em uma combinação entre aulas de catolicismo e paternalismo benevolente. Um exemplo é a cidade de Hershey, na Pensilvânia. Fundada no início da década de 1900 e localizada na área rural do estado, a vida no campo era combinada com o cuidado com a força de trabalho por meio de acomodações decentes, bons salários e boas escolas para proporcionar uma vida melhor aos funcionários da Hershey, fabricante de chocolates. Segundo o autor, isso configura um “paternalismo benevolente” na medida em que as liberdades eram trocadas pela segurança financeira.
Essas vilas eram construídas sobre quatro pilares:
Centralidade: as cidades operárias tornaram o trabalho central, além de extremamente exigente, a fim de extrair o máximo de trabalho produtivo possível de seus funcionários.
Clausura: o perímetro das cidades era efetivamente fechado, de tal forma que o mundo externo não era facilmente acessível aos trabalhadores.
Insularidade: as cidades operárias tinham como objetivo manter os trabalhadores dentro das cidades. Para isso, todas as suas necessidades materiais e sociais tinham de ser atendidas pela empresa.
Completude: as vilas se apresentavam como tão completas que os trabalhadores, a princípio, não teriam motivos para sentir que algo significativo estava faltando em suas vidas.
Para ver a influência quase invisível do modelo de cidade operária na vida dos profissionais de tecnologia dos dias atuais, podemos seguir uma breve história do prédio de escritórios, inicialmente em um arranha-céu e, mais recentemente, no campus corporativo.
O arranha-céu como uma cidade em miniatura
É possível traçar um paralelo entre as cidades operárias e os arranha-céus corporativos. No livro Cubed: A Secret History of the Workplace (A história secreta do ambiente de trabalho, em tradução livre), o jornalista Nikil Saval escreve: “Quando buscavam entretenimento, os funcionários de escritórios de Chicago [no fim do século 19 e início do 20] raramente tinham de deixar o prédio. Terraços com jardins estavam disponíveis, e nos meses mais quentes recebiam peças de teatro e shows. Os melhores prédios de escritórios em Chicago tinham barbearias, bancas de jornal, serviços bancários, tinturarias, alfaiates, consultórios médicos, livrarias e restaurantes. Alguns prédios se tornaram cidades em miniatura, era quase possível que os trabalhadores evitassem a vida na cidade”.
Ainda que alguns dos aspectos mais opressivos das Exploitionville não estivessem presentes, é possível ver sinais de centralidade, clausura, insularidade e completude.
O campus corporativo como Pleasantville
Muitas das empresas de tecnologia atualmente criaram campus parecidos com os universitários, mais atraentes que os arranha-céus, que se tornaram símbolo do mercado financeiro ultrapassado. Mas esses campi ainda têm similaridade com as cidades operárias?
Depois da Segunda Guerra Mundial, e especialmente durante a Guerra Fria, os arranha-céus se tornaram menos populares. Grandes corporações começaram a sair dos centros urbanos em direção aos subúrbios. De acordo com o arquiteto e urbanista Louis Mozingo, esse movimento foi impulsionado pela ideia de que ao evocar uma cultura familiar, tranquila, e perto da natureza, em oposição às grandes cidades, os efeitos calmantes beneficiariam a produtividade dos trabalhadores intelectuais.
Entre os modelos que nasceram nesse período, Mozingo cita o campus corporativo, inspirado no modelo dos campi universitários. O que nos leva ao Googleplex, redesenhado em 2004 pelo escritório Clive Wilkinson Architects. Na época, a firma advogou contra os cubículos, em defesa dos escritórios abertos, apontando “o grande impacto que o ambiente pode ter na produtividade”.
O Googleplex, perto de Palo Alto, foi intencionalmente inspirado em um campus universitário: “A visão foi unir a ideia do ambiente de trabalho com experiências encontradas no ecossistema educacional, em uma nova forma de trabalhar. A razão para isso é a ideia de que dentro do sistema universitário vagamente estruturado há recursos disponíveis para que os indivíduos concebam, investiguem e executem o impossível”, diz o escritório de arquitetura.
No Googleplex, as amenidades incluem comida grátis, academia, transporte público gratuito e massagem. Segundo o jornalista Nikil Saval, o local foi construído para “ser um universo contido em si mesmo”, reminiscente não só do mundo intelectualmente vibrante de Stanford mas de uma pequena cidade, com a rua principal se dividindo em vários bairros.
Nesses ambientes, ainda estão presentes os aspectos de centralidade, clausura, insularidade e completude. Da mesma forma que os operários da Hershey viam toda a sua vida orbitando a fábrica, os funcionários do Google veem suas vidas em Mountain View enquanto pedalam uma bicicleta da empresa para ir de um prédio a outro.
E o que isso tudo significa?
Os arranha-céus e campi não são a mesma coisa que as cidades operárias, mas há algumas analogias possíveis e é possível considerar as suas influências no modelo de trabalho atual. O que mudou é que a parte dolorosa do trabalho físico foi superada, pelo menos em alguns casos, pelo poder criativo do trabalho intelectual.
Mas um ponto importante é a forma como a energia das pessoas é canalizada para que possa ser despejada de maneira obstinada e obsessiva no trabalho; além da falta de reconhecimento de que há vida fora da empresa; o sentimento de viver em uma bolha, com regras próprias e estratégias específicas para avançar na carreira; e a sensação de que tudo o que é significativo está acontecendo na companhia. Em resumo, resta uma ideia muito poderosa: o trabalho se torna a totalidade da existência humana.