Notícia - Desproporções de gênero na maior parte não se devem a atitudes ofensivas
 Revista Simplesmente Publicou uma notícia no dia:18/12/18 12:47:43

Desproporções de gênero na maior parte não se devem a atitudes ofensivas


Imagem:


I. Uma ideia que tendia a vir à tona na linha de comentários sobre impulsionamento enquanto doxing: é permíssível tomar uma atitude de emergência contra homens libertários ofensivos, porque nós realmente precisamos melhorar a proporção de gênero no libertarismo.

 

O pressuposto implicado é que as mulheres afluem a movimentos cheios de feministas respeitosos e evitam aqueles sem eles. Se as mulheres não estão no libertarismo, é porque ele está tolerando machistas demais.

 

Como a presunção é implícita, ninguém precisa defendê-la, e talvez ninguém realmente creia nela na sua forma explícita. Mas ela fundamenta bastante parte deste discurso para valer a pena desafiar.

 

Donald Trump não é exemplo de inclusão respeitosa. Há registro dele dizendo que gosta de “pegar mulher pela boceta” no que, com certeza, soa ser uma maneira não consensual. A sua sofisticação sobre questões de gênero em geral se encontra em algum lugar em torno do nível australopitecino, remotamente aspirando à neandertalidade como uma meta brilhante no pico da montanha.

 

Mas os eleitores de Trump eram mais proporcionais em termos de gênero do que os libertários: cerca de 47% mulheres, 53% homens. Entre a demografia trumpiana chave de brancos, ele na realidade ganhou o voto feminino, derrotando Clinton entre as brancas por 53% a 43%.

 

A Igreja Católica também não é um exemplo de feminismo. A Catholic.com, que tem um nome de domínio que soa ter tanta autoridade que presumo ter sido escrito pelo Papa em pessoa, diz que:

As mulheres mais naturalmente cuidam das crianças e os homens mais naturalmente trabalham fora de casa. Não obstante, mulheres podem e de fato trabalham fora de casa e homens de fato agem como cuidadores de crianças (trocando frauda, dando mamadeira ao bebê, ajudando-o a arrotar, caminhado com ele quando está chorando à noite — homens fazem tudo isso, assim como mulheres fazem). Seus papéis tendem a focar em uma área (cuidar para as mulheres e trabalhar fora para os homens), mas um pode ajudar o outro sempre que for preciso.

 

Acrescente a sua constante oposição ao aborto, contracepção, libertação sexual etc., e devia ser ao menos de admirar um pouquinho que as mulheres superem os homens entre católicos que vão à igreja por cerca de 20%.

 

O Reddit como um todo é cerca de 30% mulher. Mas os subreddits r/libertarian er/neoliberal são 5,5% e 4,5% do sexo feminino respectivamente. Será porque eles são hostis às mulheres? Parece improvável. Os subreddits r/mensrights e r/KotakuInAction(i.e., Gamergate) são com frequência considerados especialmente ofensivos, e ambos rodeiam pelos 10% de mulheres. Creia que ofensividade é o único determinante da proporção de gênero, e você é forçado a concluir que adotar normas de gênero do Gamergate dobraria a população feminina do libertarismo.

Veja bastante desse negócio, e você chega à conclusão de que o percentual de mulheres num movimento não é só uma função de quão cuidadosamente ele se expurga de todos os seus membros insuficientemente pró-feministas.

 

II. Então é uma função do quê?

 

Gender Differences In Personality And Interests de Richard Lippa é uma fonte bastante boa para esse tipo de coisa. Ele observa que uma das maiores diferenças de gênero registradas — maior até do que as coisas que tendemos a pensar como diferenças de gênero concretamente óbvias como agressividade física ou atitudes ao sexo casual — é o que Lippa chama de “interesse em coisas vs. pessoas”. Ele escreve:

Para a dimensão de interesses pessoas-coisas, os resultados na Tabela 1 são claros, fortes e sem ambiguidade. Homens tendem a ser muito mais orientados a coisas e muito menos orientados a pessoas do que mulheres (média d=1,18, uma diferença “muito grande” segundo as designações verbais de Hyde (2005))

 

Ele observa que um d de 1,18 é “muito grande”, mas me preocupo que os menos sabidos de estatística não apreciem quão grande seja. Tudo que posso dizer é que passei vários anos crendo que a estatística d era uma escala de 0 a 1, porque nunca tinha visto um d sair dessa gama antes. Daniel Laken escreveu um ótimo artigo sobre um estudo que descobriu um d=1,96, em que ele defendeu que devíamos rejeitá-lo quase sem pensar, porque efeitos não tautológicos quase nunca são tão grandes e então claramente alguém cometeu um erro no estudo (spoiler: cometeram sim). A descoberta de Lippa não está bem nesse nível, mas está chegando perto.

 

Isto me parece um tanto similar à distinção sistematizador-empatizador, em que homens e mulheres também marcam de um modo bastante diferente (d=0,5). Admito que não tenho grande prova de que estes são conceitos relacionados, mas parece intuitivo para mim que sistemas são tipos de “coisa” e que o tipo de gente que se interessa em analisar sistemas formais todo o tempo habitualmente não é super-orientado a pessoas.

 

(estou usando “tipo de gente” aqui como um código para autismo? Dê-me mais crédito que isso; estou na verdade tentando usar como código para “hipofunção do receptor NMDA“.)

 

Parece haver uma diferença de gênero semelhante na tendência de usar o utilitarismo — veja por ex. a meta-análise de Fredsdorf et al. Sem ser capaz de explicar exatamente o que quero dizer, espero que partilhe da minha intuição de que o utilitarismo é um sistema moral incomumente sistematizador e orientado a coisas, e que isto alude à mesma diferença grande porém difícil de explicar que nos outros dois resultados.

 

Estas estão provavelmente a montante de diferenças mais notáveis em atitudes políticas. Uma personalidade menos empatizadora/mais sistematizadora deixaria as pessoas mais interessadas na política de instituições eficazes do que na política de providenciar assistência social. E uma personalidade menos utilitarista e mais focada na moralidade tradicional deixaria as pessoas mais interessadas em usar o poder do governo para reforçar normas sociais. Eagly et al olham em diferenças de gênero em atitudes políticas e descobrem exatamente isso:

A diferença mais comum de observar é que mulheres têm mais probabilidade de endossar políticas que apoiam a provisão de serviços sociais para grupos merecedores e desfavorecidos (Goertzel, 1983; Schlesinger & Heldman, 2001; Shapiro & Mahajan, 1986), incluindo habitação, cuidado infantil, oportunidade de educação e apoio financeiro na forma de assistência (…) Mulheres também defendem restrições maiores a muitos comportamentos que são considerados tradicionalmente imorais (por ex., sexo casual; Oliver & Hyde, 1993; consumo de pornografia, Seltzer et al., 1997)(…) Mulheres podem assim ser consideradas como mais liberais do que homens em compaixão social e mais conservadoras em moralidade tradicional.

 

“Mais liberal em compaixão social e mais conservador em moralidade tradicional” soa como uma boa descrição de “não libertário”.

 

Não estou certo se há muito mistério ainda para explicar aqui. Você pode eliminar todo pingo de machismo no movimento libertário, torná-lo tão feminista que faz os livros deUrsula K. Le Guin parecerem livros de Margaret Atwood — e ainda nunca chegará nem perto da proporcionalidade de gênero daquelas seitas evangélicas esquisitas que falam de mulheres terem que ser submissas porque Eva foi feita da costela de Adão.

III. Um forte contraargumento:

 

 

E se todo esse negócio de machismo afastar as mulheres for uma grande farsa? E então depois de fazermos as mulheres se sentirem mais seguras, erradicarmos o preconceito, reforçarmos a decência comum e encorajarmos todos a tratar uns aos outros com compaixão — droga, criamos um mundo melhor para nada! Se o objetivo é “eliminar machismo malevolente” — e com certeza deveria ser — por que ficar tão chateado com um argumento para a eliminação de machismo malevolente que talvez não seja inteiramente acurado?

 

Primeiro, porque eu sou um sistematizador sem-coração orientado a coisas, e desprezo argumentos ruins por princípio, e não ligo se vocês empatizadores orientados a pessoas pensam que eles servem a uma função pró-social, construtora de comunidade.

 

Mas em segundo lugar, porque isso dá a tipos obscurantistas empatizadores das humanidades um martelo gigante com que bater em todos os tipos cientificistas sistematizadores utilitaristas para todo o sempre.

 

Não sou o tipo neoateu que crê em algum tipo de batalha apocalíptica em que os defensores da racionalidade e civilização defrontam uma fantástica coalizão de pós-modernismo/hippyismo/estudos de gênero/cura por cristais/evangelicismo/marxismo cultural/Islã/Donald Trump. Mas ideias de STEM conflitando com ideias focadas nas humanidades não é uma inteira ficção. Há realmente algumas diferenças de valores entre o programador do Vale do Silício mediano e o professor de literatura de Oberlin mediano. Uma distinção humanidades/empatizador/intuitivo vs. cientificista/sitematizador/utilitarista não é uma categoria perfeitamente natural, tampouco o único eixo em que as pessoas diferem. Mas fico na esperança de que você partilhe a minha intuição de que seja ao menos um vago aglomerado e ao menos um eixo de diferença.

 

E por mais diferentes que pós-modernistas, evangélicos, islamistas, muçulmanos, curandeiros de cristais e apoiadores de Trump possam ser, há realmente uma coisa que eles têm em comum: todos esses grupos têm grande proporcionalidade de gênero. Você nunca vai encontrar um círculo de wiccanos ou uma classe de estudos de gênero que acidentalmente acabasse 100% homens.

 

E cientistas da computação, matemáticos, economistas, utilitaristas, libertários, ateus do movimento, céticos, transumanistas, entusiastas da criptomoeda etc. — são uma não-coalizão igualmente sortida. Mas também têm algo em comum: um sério viés masculino.

 

E se você aceita a presunção implícita de que boas opiniões = proporcionalidade de gênero e machismo = desproporcionalidade de gênero, então para todo o sempre os curandeiros dos cristais e apoiadores de Trump terão um claro distintivo de serem gente de bem e cidadãos responsáveis, e os utilitaristas e economistas serão, num nível coletivo, machistas escrotos. E com certeza este parece ser um ponto a favor dos curandeiros dos cristais e apoiadores de Trump se você estiver tentando descobrir em quem confiar.

 

Uma comunidade composta de machistas escrotos tem uma obrigação moral de parar de ser machista e escrota imediatamente, tanto porque é a coisa certa como porque é taticamente vantajoso para poder recrutar mulheres à causa. Se escrotidão machista pode ser mensurada por proporcionalidade de gênero, a resposta apropriada é “continue aumentando o nível de tolerância zero com o machismo até que a proporção de gênero se aproxime da paridade”. Mas se esta é a sua filosofia, e a proporcionalidade de gênero absolutamente não responde a esta tolerância zero, então o nível de tolerância zero aumenta até o infinito.

 

Então acabamos com campos e movimentos cientificistas/sistematizadores/utilitaristas se transformando câmaras de combustão rotativas. Se “é permissível tomar uma atitude de emergência contra homens libertários ofensivos, porque nós realmente precisamos melhorar a proporção de gênero no libertarismo”, então o estado de emergência rapidamente se torna permanente e medidas mais e mais extremas fracassam na execução de qualquer melhora. Sim, vai haver gente tentando fazer você ser demitido por contar piadas machistas no Twitter. Mas não se preocupe — também vai haver gente tentando fazer você ser demitido se você está demasiado interessado em BDSM, ou se você achar a palavra dongle engraçada. E se as pessoas tentando fazer as outras pessoas serem demitidas transgredirem o seu status social nem sequer um pouquinho, daí a reação fará com que *elas* sejam demitidas.

 

Ao mesmo tempo, todo o mundo no lado humanidades/empatizador/intuitivo do divisor ganha um argumento fulminante contra qualquer desafio cientificista/sistematizador/utilitarista: “Oh, aqueles machistas? Voltem quando tiverem tirado os seus chapéus fedora, brous“. E esse tipo de coisa funciona. E como tantos de nós implicitamente aceitam a narrativa da baixa proporcionalidade de gênero = machistas escrotos, não podemos nem reagir. O melhor que podemos fazer é “Sim, o nosso lado está cheio de gente repugnante com valores terríveis, e o seu lado está cheio de gente amável, tolerante, acolhedora, que tem sucesso em construir comunidades inclusivas para todos, mas, hmm, temos bons argumentos de qualquer maneira. Peraí, volta aqui! Por que você não está lendo o meu estudo duplo-cego randomizado que mostra que eu estou certo?”

 

Acho que uma resposta melhor é obsevar que nunca houve nenhum estudo ou pesquisa informal que sugerisse que pessoas cientificistas/sistematizadoras/utilitaristas são mais machistas do que qualquer outro tipo de pessoa (se você achar um, me conte). Nenhuma pessoa ou comunidade é perfeita, mas afirmar algum mal especial para libertários, economistas, utilitaristas etc. é uma hipótese esquisita que nunca vi ninguém tentar explicar, sem falar em provar. Quando 20% das crianças no ensino médio fazendo o teste avançado para ciência dos computadores são do sexo feminino, e 20% dos universitáriosse formando em ciência dos computadores são do sexo feminino, e daí 20% da industria da tecnologia são do sexo feminino, talvez “demografia importa” seja uma melhor hipótese do que “a indústria da tecnologia está singularmente repleta de nerds machistas nojentos”.

 

Isso não significa negar as experiências de mulheres que se sentem mais frequentemente assediadas nessas comunidades. Mas parece sim ser mais provável de ser resultado da proporcionalidade de gênero do que a causa. Isto é, se multiplicamos por dez a razão de homens para mulheres enquanto mantemos constante a assediosidade sexual de cada homem, então cada mulher encara dez vezes mais assédio sexual.

 

Isso pode significar que há um dever para pessoas cientificistas/sistematizadoras/utilitaristas batalharem dez vezes mais duro para combater o assédio do que quaisquer outros. Acho que isso deve estar acontecendo. Quando entrei na medicina, fiquei chocado com a atitude indiferente que as pessoas tomavam com relação ao discurso machista causal, em comparação com o ambiente no Vale do Silício que ouvi pessoas descreverem como “stalinista”. Mas a medicina é uma profissão orientada a pessoas/empatizadora; 90% dos enfermeiros são mulheres; como são 57% dos psiquiatras em residência. A razão de assediador potencial:vítima potencial mantém as pessoas mais seguras sem o mesmo estado permanente de emergência.