Notícia - DE ATLETA OLÍMPICO A DONO DE EMPRESAS DE R$ 2,5 BILHÕES: A HISTÓRIA DE LUIZ MATTAR
 04/01/19 19:10:37

DE ATLETA OLÍMPICO A DONO DE EMPRESAS DE R$ 2,5 BILHÕES: A HISTÓRIA DE LUIZ MATTAR


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Luiz Mattar, 55 anos, deixou a faculdade de engenharia para iniciar uma carreira bem-sucedida como tenista. Em dez anos no esporte, venceu 12 torneios, defendeu o Brasil em duas Olimpíadas e em dez edições da Copa Davis.


Transição de carreira é um daqueles termos que provocam arrepios até no profissional mais experiente. Não é fácil deixar para trás aptidão, habilidades e conhecimento acumulados ao longo de anos para encarar uma nova jornada. Esse foi o desafio de Luiz Mattar quando encerrou a carreira de esportista para se tornar empreendedor, em meados da década de 90.Em 1995, deixou as quadras e se voltou para o empreendedorismo, abrindo uma prestadora de serviços de tecnologia. Hoje, suas empresasTivit e NeoBPO faturam quase R$ 2,5 bilhões por ano e empregam 30 mil funcionários.

Como tenista, Mattar chegou a estar entre os 30 melhores do mundo. Já como empresário, não era ninguém: tinha algum conhecimento teórico — sua família é dona da fabricante de têxteis Paramount —, mas zero de prática. Duas décadas depois, no entanto, o resultado é um ace. De olho no boom da internet e na privatização do segmento de telecomunicações, o empreendedor criou a Telefutura, uma pequena prestadora de serviços na área, em 1998. A empresa cresceu, recebeu aportes de fundos pesos-pesados e se transformou na Tivit, que fatura R$ 1,8 bilhão por ano. Hoje, Mattar comanda um time de 30 mil funcionários. Tênis, só mesmo para aliviar o estresse.

Como foi deixar para trás quadras e holofotes para recomeçar como empreendedor?
Foi um desafio enorme. Quando você faz uma mudança tão radical, sua aptidão, tudo aquilo que você fez durante dez, 20 anos, é praticamente jogado fora. Seus contatos, seu mercado, seu conhecimento no esporte, tudo é deixado de lado e você tem de começar do zero. Eu me lembro quando comecei no tênis... Todo mundo fala do glamour dos torneios na Europa, nos Estados Unidos. Mas, para ganhar os meus primeiros pontos no ranking, fui disputar pequenas competições na África.

A mesma coisa vale quando você começa a empreender. Na minha primeira empresa, a Telefutura, eu trabalhava com dois sócios numa sala de quatro metros quadrados. E, ao contrário dos atletas de hoje, que são muito bem preparados para lidar com público e imprensa, eu não havia desenvolvido essas habilidades. Então tive de me desdobrar para me tornar um empreendedor.

Na hora de abrir um negócio, seu passado como tenista ajudou ou atrapalhou?
As duas coisas. Por um lado, foi muito útil. Um esportista precisa ter muita disciplina para enfrentar a rotina dos treinos e para seguir à risca os compromissos. E tem de ter resiliência. Porque às vezes você tem a disciplina, faz tudo certo e as coisas simplesmente não acontecem.

Essa é aquela hora em que dá vontade de desistir, mas você precisa ir em frente, porque falta muito pouco para tudo começar a dar certo. Isso vale tanto para o atleta quanto para o empreendedor. Eu tento aplicar essa lição aqui dentro também. Sempre digo que a Tivit é uma empresa que sabe competir e que gosta de ganhar, mas que também aprende muito com seus erros. Às vezes, junto a equipe e digo: “Está vendo aquele prospect que a gente perdeu? Vamos ver o que aconteceu e fazer diferente da próxima vez?”. Quando você cria essa sistemática de aprender com os erros, as coisas acontecem.

Qual foi o lado negativo?
A maior dificuldade é ter de lidar com a percepção que os outros têm de você. Quer dizer, é bem mais fácil convencer alguém a investir no negócio quando ele não sabe quem é o Luiz Mattar. Durante muitos anos, eu evitei falar do meu background como esportista. Eu temia que a ênfase no meu passado tirasse o foco dos nossos serviços e afetasse a credibilidade da empresa.

Qual a sensação de saltar de um esporte individual para alguém que emprega milhares de funcionários?
Isso me dá muito orgulho. Quando comecei, lá trás, eu tinha uma frase escrita na parede: “Pense grande, comece pequeno e cresça rápido”. Parece muito simplista, mas o meu sonho era que a Tivit fosse uma empresa desejada pelos clientes. Isso ainda naquela fase inicial, em que você telefona para 20 pessoas e só três te atendem.

Então, esse era o sonho. E acho que, em grande parte, eu consegui realizar. Hoje, temos clientes que estão conosco há 18 anos. Fico bem feliz com isso. 

Você chegou a estudar engenharia antes de se tornar tenista. Havia alguma expectativa de que você trabalhasse no negócio da família?
Na verdade, a família não teve nenhuma influência nessa decisão. Eles sempre me deixaram à vontade. Eu gostava de matemática e demonstrava mais aptidão para exatas do que humanas. Durante a faculdade, achei que ia seguir carreira nessa área — pelo menos durante quatro anos e meio.

Faltando seis meses para acabar o curso, fui para a França com um amigo. A ideia era passar uns dias por lá e jogar alguns torneios amadores de tênis, para me divertir e ganhar uns trocados. Mas, em vez de dias, acabei ficando dois meses. Joguei bem, ganhei dois torneios e decidi que era aquilo que eu queria para a minha vida. Nunca mais pisei na faculdade. Meu pai não acreditava. “Filho, só faltam alguns meses para terminar o curso, acaba a faculdade e daí você vai jogar.” E eu disse: “Pai, se não for agora, não vai ser nunca mais”. E eu fui.

Luiz Mattar (Foto:  Franco Amendola)

Você já tinha uma ligação anterior com o esporte?
Minha família tinha o costume de enviar os filhos para o exterior, para que eles aprendessem a se virar sozinhos. No meu caso, fui para a Califórnia e, lá, comecei a jogar tênis dentro do programa de esportes do colégio. A escola foi campeã do circuito regional e tomei ainda mais gosto pela coisa. Não pensava em ser profissional, a princípio. Mas aqueles dois meses na França mudaram tudo.

E você acabou se tornando um dos 30 melhores atletas do ranking mundial.
É verdade. Mas, para mim, as vitórias acabam marcando mais do que o ranking. Ganhei sete torneios individuais da ATP [Associação dos Tenistas Profissionais, que organiza os principais torneios mundiais] e outros cinco de duplas, além de defender o Brasil na Copa Davis. Alguns desses jogos foram inesquecíveis.

Um dos mais marcantes foi a vitória contra o Andrés Gómez, do Equador, que era um dos dez melhores do mundo, em 1987. Outro momento muito importante foi uma derrota, em 1992, para o alemão Boris Becker, um dos primeiros no ranking, pela Copa Davis, no Rio de Janeiro. Cheguei a ter seis match points, mas acabei perdendo a partida. Fiquei sem dormir por dois dias depois disso. Mas ainda assim vencemos o confronto geral contra a Alemanha e levamos o Brasil à semifinal do torneio pela primeira vez.

Quando você tomou a decisão de parar de jogar, em 1995, já sabia qual caminho iria tomar?
Na carreira esportiva, você aos poucos começa a perceber que o corpo já não responde com a mesma velocidade de antes, começa a ter dificuldade para acompanhar a mente. Quando senti os primeiros efeitos disso, comecei a amadurecer a ideia do que fazer após parar. Meu primeiro negócio foi a Dado Bier, uma casa noturna que tinha uma pequena cervejaria, uma ideia do gaúcho Eduardo Bier que eu trouxe aqui para São Paulo.

Como não entendia nada de negócios, acabei tendo de aprender o dia a dia da gestão na raça. Acho que o mais complicado foi a mudança na escala. Quando atuava como tenista, éramos apenas eu, meu técnico e um preparador físico. De repente, passei a administrar um negócio que tinha 250 funcionários, com responsabilidade de fechar mês após mês a folha de pagamento. Foi aí que entendi a responsabilidade que vem com o empreendedorismo.

Luiz Mattar, vencedor do Torneio Aberto de Tênis do Rio de Janeiro, em 1990 (Foto: Eurico Dantas/Agência O Globo )

O que o levou a abrir uma empresa na área de tecnologia?
No final dos anos 90, a internet estava se estabelecendo no Brasil e estava claro que essa tecnologia ia mudar o mundo. Era também a época da privatização do setor de telecomunicações. Com base nessas duas tendências, eu e meus sócios [o ex-tenista Cássio Motta e Eraldo de Paola] criamos uma empresa chamada Telefutura, em 1998: a proposta era trabalhar com terceirização de processos de negócios digitais, e também com call center. Cada sócio colocou R$ 50 mil e o negócio deslanchou a partir daí.

Felizmente, nunca mais precisei colocar um tostão do meu bolso na empresa. Era um momento de intenso crescimento do mercado interno, e soubemos aproveitar bem isso. Além disso, a eficiência do software e a agilidade nos processos nos trouxeram clientes importantes.

De que maneira a Telefutura se transformou em Tivit?
Em 2001, recebemos um aporte do fundo de investimentos da Votorantim, que comprou 20% da empresa. Com esse capital, ganhamos fôlego para crescer. A credibilidade trazida pela associação com a Votorantim também ajudou a conquistar novos clientes.

Quem entrou depois disso foi o fundo Pátria, que ajudou a organizar o processo de abertura de capital na Bovespa. Alguns anos mais tarde, em 2007, houve a decisão de unir a Telefutura com a Optiglobe, outra empresa de tecnologia que era controlada pelo Votorantim. Foi dessa fusão que nasceu a Tivit.

Foi um casamento muito bom, porque a gente tinha a veia do empreendedorismo e a expertise no setor, enquanto a Optiglobe contava com um sistema de gestão muito redondo, que faltava para a gente. Mais tarde, em 2010, vieram os americanos do fundo Apax Partners, que compraram mais da metade do capital da empresa — uma boa oportunidade para realizar a saída do fundo Votorantim e preparar a companhia para o próximo passo.

E daí os americanos resolveram fechar o capital de novo.
Essa história é interessante. A Apax tinha uma visão de longo prazo, acreditava que estava na hora de dar um salto e transformar a Tivit numa multinacional. Mas, para isso, era melhor fechar o capital, já que empresas abertas tendem a focar mais no curto prazo, no relatório trimestral.

Seguimos a orientação deles e ficamos quatro anos estudando o mercado até que, em 2014, compramos uma empresa chilena chamada Synapsis, que é a nossa base na América Latina. Hoje, a Tivit está presente em dez países da região.

Você vendeu participações na empresa a três fundos diferentes. Como escolheu os sócios?
Sempre fiz questão que meus sócios tivessem duas características. A primeira é o alinhamento: é preciso conversar sobre a expectativa em relação à empresa e o futuro da participação societária. A segunda é que esses sócios sejam complementares, trazendo as habilidades necessárias no momento para fazer a empresa crescer.

O Votorantim trouxe credibilidade; o Pátria, expertise para fazermos a abertura de capital; e a Apax, a base para iniciarmos nossa internacionalização. Hoje, se pudesse mudar algo, talvez tivesse vendido menos participação [Mattar, dono de um assento no conselho de administração, não revela a sua participação atual na empresa]. Mas, depois da obra pronta, é mais fácil dar palpite, não é? Então, acho que os movimentos foram muito acertados.

Como está a Tivit hoje?
Dois anos atrás, separamos a empresa em duas partes. Uma é a própria Tivit, e a outra é a NeoBPO, que ficou com toda a parte de backoffice e frontoffice, com foco em automação dos processos para grandes empresas.

Os sócios das duas empresas são os mesmos, eu estou nos dois conselhos, mas a administração é totalmente separada. Lá na NeoBPO, temos 20 mil funcionários e faturamos uns R$ 700 milhões por ano, mais ou menos. Na Tivit, temos 8 mil funcionários e a receita está em cerca de R$ 1,8 bilhão. Temos hoje na empresa quatro “torres” de negócios. A mais recente delas é a de digital business, onde entram serviços como equipamentos e sensores de internet das coisas (IoT), que monitoram automóveis, caminhões e máquinas e transformam isso em análises para o cliente.

Também fazem parte desse segmento a gestão eletrônica de documentos, além de equipes ágeis de desenvolvimento. As outras “torres” são o gerenciamento da infraestrutura, que são nossos data centers, os pagamentos digitais, e a parte de serviços na nuvem. Hoje, quase 40% do faturamento vem do que chamados de mundo futuro, ou seja, o digital e a nuvem. Pouco mais de 60% vem da infraestrutura e dos pagamentos digitais. Queremos que mais de 50% da receita venha desse mundo futuro até 2020.

Quais são as metas da empresa para os próximos anos?
Nós demoramos 16 anos para sair do Brasil porque o foco era capturar o mercado brasileiro primeiro. E tivemos um crescimento orgânico muito forte por aqui nesse período. Quando a gente resolveu entrar na América Latina, sabíamos que o mercado era muito pulverizado, e que é necessário ter escala em cada país para ver o resultado do seu investimento. Então estamos investindo nossas fichas nos cinco países com economias mais robustas e populações de peso, como Argentina, Colômbia, Peru, Chile e México. Queremos ganhar escala nesses países, antes de pensarmos em outros movimentos.

Luiz Mattar em jogo em que derrotou o equatoriano Andrés Gómez pela Copa Davis, em 1987, no Rio de Janeiro (Foto:  Antonio Carlos Piccino/Agência O Globo)

Como estão os planos para voltar à bolsa?
O que posso dizer é que não temos pressa. E o momento não é propício para falar nisso, com essas incertezas todas. A abertura de capital seria o movimento natural para a Tivit. Mas há vantagens e desvantagens.

Por um lado, você traz liquidez para os sócios e facilita a entrada de capital. Também traz uma governança sólida, o que atrai clientes e funcionários. Em contrapartida, há a pressão dos investidores para entregar o trimestre. Numa empresa como a Tivit, que vive de inovação, não podemos sacrificar a visão de longo prazo. Outro ponto negativo é que você abre sua vida, seus números, sua estratégia para os concorrentes. É preciso pesar tudo isso.

Como você faz para manter a empresa inovadora?
Gosto de viajar com a equipe para conhecer o que as empresas de ponta estão fazendo lá fora. A primeira dessas viagens foi em 2006, para a Índia. Eles têm empresas de tecnologia gigantes. Passamos dez dias por lá, e foi um aprendizado muito bacana. Fizemos outra viagem dessas em 2010, para o Vale do Silício. Com base nessas experiências, trouxemos para cá os serviços de nuvem.

A última dessas incursões foi em 2015, para Israel, e dessa vez o foco não eram as grandes empresas, mas as startups. Quem é do setor tem a obrigação de conhecer Israel. Eles têm um ecossistema todo voltado para a inovação. É um país que tem recursos naturais limitados pelo pequeno tamanho e foi obrigado a inovar para se desenvolver. Lá percebemos que a grande tendência era a interação digital e trouxemos isso para cá também. Nossa próxima viagem será para a China.

O que é mais difícil, vencer torneios de tênis ou empreender?
O mundo do esporte é fascinante porque tudo é ao vivo e todo mundo tem acesso ao que está acontecendo ali. Hoje, no tênis, se uma bola for fora e o juiz der dentro — algo que sempre me tirou do sério —, existe aquele olho eletrônico que diz onde bateu a bola, e acabou a discussão.

Enfim, tudo é resolvido na frente do público. Mas, no mundo dos negócios, as coisas não são tão transparentes. Então, às vezes, você acha que fez tudo certo em uma concorrência ou em um projeto, e a coisa não acontece como você imaginava. E você nem sabe direito por quê. Outra diferença forte é que, enquanto o tênis é um esporte individual, no mundo corporativo as decisões não partem apenas de uma pessoa, mas sim de um grupo. Então, é como se fosse uma espécie de “esporte” coletivo. São centenas de pessoas jogando a seu favor e outras centenas jogando contra. Pensando bem, era bem mais fácil jogar tênis...