Notícia - "ASSISTENTES DE VOZ SERÃO A PRÓXIMA TENDÊNCIA ENTRE AS STARTUPS"
 16/01/19 12:58:08

"ASSISTENTES DE VOZ SERÃO A PRÓXIMA TENDÊNCIA ENTRE AS STARTUPS"


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O movimento nos seis andares do Google for Startups Campus é frenético. Pudera. Desde a inauguração, em 2016, 130 mil pessoas se tornaram membros, com direito a usar o espaço para trabalhar, fazer networking e se inscrever nos programas da casa. A estrela desses projetos é a residência de startups.

Suas três turmas já capacitaram 29 empresas — mais do que qualquer outro dos seis Campus, sediados em Berlim, Londres, Madri, Tel-Aviv, Seul e Varsóvia. São dados como esse que colocam um sorriso no rosto de André Barrence, diretor da unidade brasileira. “Em números absolutos, somos o maior Campus do mundo”, diz Barrence.

Ele conversou com PEGN sobre as estratégias do Google no Brasil, o momento das startups brasileiras e as relações entre poder público e tecnologia.

Qual é o interesse do Google ao investir no Campus brasileiro? Faz parte da estratégia descobrir startups e depois comprá-las, como foi o caso do Waze, em Israel?
O Google tem uma estratégia de investimento de longo prazo. Essa é uma característica forte do Campus: a gente não monta uma estrutura e desmonta no dia seguinte. Fazemos questão de permanecer no país, porque nos vemos como um acelerador desse ecossistema. Se eu te disser que nunca vamos comprar ou investir em alguma startup residente, não é verdade. Pode acontecer.

Assim como qualquer outra grande empresa também pode investir nelas. Mas a visão principal é que, se fortalecermos o ecossistema de startups — que são ligadas à economia digital, de dados, do conhecimento, à economia na qual o Google quer se manter líder —, no longo prazo vamos sair ganhando. Porque essas startups vão se tornar grandes empresas. E, se o Google for capaz de se manter relevante com seus produtos, elas vão se tornar parceiras, clientes, consumidoras e usuárias desses produtos.

Essas startups não podem acabar se tornando concorrentes do Google?
Eventualmente sim. Em nenhum momento nós fazemos qualquer tipo de restrição a startups que operem em algum mercado onde a Alphabet [holding que controla o Google e subsidiárias como Google Ventures, Verily e Google Fiber] também tem um braço.

Tampouco deixamos de aceitar alguma empresa porque ela não usa nenhum produto do Google. Mas temos um procedimento-padrão. Quando vou conectar um empreendedor residente com algum líder de produto do Google, pergunto para esse gerente se ele acha que pode existir algum conflito em potencial. Caso ele diga que sim, essa pessoa específica não mentora e optamos por outro nome. Se não houver nenhum conflito, ele se torna o mentor, o padrinho daquela startup no programa.

Em qual tendência vocês estão apostando neste momento?
O brasileiro é um povo muito conectado. Somos socialmente muito ativos no uso da tecnologia. E agora temos uma nova interface da tecnologia, que é por meio da voz. A gente diz que o brasileiro gosta de falar até com o telefone, mesmo quando não tem ninguém do outro lado.

Percebemos claramente esse fenômeno com a chegada da versão em português do Google Assistant e de outros assistentes de voz. O Brasil é hoje o terceiro maior mercado para uso do Assistant em celulares, e o português é a segunda língua mais falada. Por isso, a próxima turma do programa de residentes [a quarta, com inscrições a partir de outubro], será a primeira de todo o mundo focada em startups que constroem produtos e serviços com interface de assistentes de voz.

É uma dessas coisas que jamais imaginaríamos fazer dois anos atrás, e que acabou se tornando um caminho sem volta.

No Brasil, existe uma vocação maior para segmentos específicos da tecnologia?
Nós percebemos que o tipo de ecossistema ajuda a moldar a atuação das startups em cada país. Aqui no Brasil a gente viu um movimento de maturação de negócios que usam modelos de recorrência ou a tecnologia como parte de um serviço.

Startups que trabalham no modelo de SaaS [Software as a Service], de assinatura, de recorrência mensal, começaram a ganhar muita tração por aqui, independentemente do setor. Além disso, cresceu o número de startups que lidam com mobile, especialmente focadas na classe C e na classe D.

Esses empreendedores perceberam que ainda temos no país uma grande quantidade de smartphones com versões mais antigas de sistemas operacionais. Então eles começaram a pensar em como criar ótimas experiências para o usuário que usa modelos pré-pagos, ou que não pode consumir muitos dados. São formas de entrega inteligentes que fazem parte da característica do empreendedor brasileiro.

Em um país como a Coreia do Sul, por exemplo, o empreendedor dificilmente precisa se preocupar com a rede ou a capacidade de armazenamento. Ele constrói o estado da arte, vai ter uma conexão 5G maravilhosa e é isso aí. Os desafios e as limitações daqui acabam criando uma flexibilidade única para o empreendedor brasileiro.

Qual o principal gargalo para sustentarmos o momento atual do ecossistema, com o surgimento dos primeiros unicórnios [empresas com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão]?
Vivemos um momento maravilhoso, resultado de uma trajetória de desenvolvimento do ecossistema e do mercado brasileiro. E, obviamente, com mérito total para os empreendedores e times dessas empresas. O desafio é sermos capazes de manter isso, até porque esse desejo de termos um unicórnio brasileiro não é um fim em si mesmo.

Eu acho que não há um gargalo específico para isso, mas sim um conjunto de fatores a que precisamos continuar a dar atenção. Isso passa por questões de regulação, do próprio mercado de trabalho, de educação e do acesso a dispositivos e infraestrutura de tecnologia — para que mais pessoas estejam conectadas e possam ter acesso a esses produtos. É uma série de blocos que, juntos, vão formar um contexto mais favorável. Se evoluirmos em um e não evoluirmos em outro, não sei se a gente chega lá.

Google for Startups Campus completou dois anos em junho. Qual o balanço desse período?
Quando o Google me convidou para assumir o comando do Campus aqui no Brasil, partimos de algumas hipóteses sobre qual seria nosso papel para ajudar a acelerar o ecossistema. Tenho bastante orgulho de dizer que várias delas foram acertadas.

Em números absolutos, somos o maior Campus do mundo. Após dois anos, temos hoje cerca de 130 mil membros; Londres, com cinco anos de existência, tem 70 mil membros. A quantidade de startups que aceleramos em nosso programa de residência também é a maior.

No total de todos os Campus, cerca de 90 empresas estiveram nesse programa, e um terço disso foi aqui no Brasil. A expectativa é que, até o final de 2019, 200 startups passem pelo programa em todo o planeta.

Entrar na residência do Campus é uma aspiração de muitos empreendedores. O que é preciso fazer para passar por esse crivo?
Sabemos que uma seleção criteriosa é fundamental para o sucesso do programa. No nosso caso, tínhamos algumas clarezas: queríamos startups que já estivessem em estágio de crescimento — que já tivessem passado por alguma aceleradora ou recebido algum tipo importante de investimento — e que precisassem superar algum desafio em relação aos produtos, à tecnologia ou ao timing.

Ao longo do tempo, fomos adicionando alguns outros filtros. Usamos indicadores como o número de usuários ativos do produto, a receita, os investimentos. Em relação ao número de usuários, por exemplo, buscamos sempre algumas centenas de milhares ou milhões de usuários. Todas as startups que entram no programa estão nesse ponto? Não. Algumas estão um pouco aquém, mas têm um alto engajamento ou uma excelente avaliação de seus produtos. O ponto comum é que estão prontas para dar o próximo salto de crescimento.

André Barrence, Aos 34 anos, é diretor do Campus São Paulo, iniciativa criada pelo Google para fomentar startups no Brasil  (Foto: Nino Andrés)

E qual tipo de empresa não interessa ao Google Campus?
Sempre tentamos responder à pergunta: “Quais tipos de tecnologia nós gostaríamos que o Campus Brasil liderasse?”. Então existem empresas que vão ser muito bem-sucedidas e dar enorme retorno, mas que usam uma tropicalização de algum serviço ou produto que já existe lá fora.

E aí a gente questiona: “Será que essa tecnologia pode ser escalada para outros mercados emergentes, ou para os next billion users [próximo bilhão de usuários]”? Se a resposta for “não”, acreditamos que nossa capacidade de ajudar não será tão grande. Mesmo assim, o programa é muito concorrido. Na primeira turma, foram 950 inscritos, dos quais só 15 entraram. Nas outras turmas, os números foram parecidos.

Existe algum algoritmo que considere todos esses fatores para fazer uma avaliação mais precisa dos candidatos?
Quem dera [risos]. Na verdade, estamos à procura de pessoas. Tentamos automatizar o máximo possível, mas tem algumas etapas em que gostamos de ver como é o time e de que maneira a equipe faz a apresentação do produto. Uma coisa que percebemos é que somos mais efetivos para ajudar startups quando estas já têm alguma interface ou integração de tecnologias com o próprio Google.

Nesses casos, fica mais fácil aportar conhecimento para destravar alguns pontos críticos. Mas ressalto que não há nenhum preconceito com empresas que não usam as tecnologias do Google.

E que tipo de retorno vocês esperam das residentes?
Logo no início, procuramos identificar quais são os desafios de cada startup, para poder trazer expertise e conteúdos mais específicos e também para traçar metas e objetivos junto com os sócios, sempre de maneira não impositiva. A partir daí, iniciamos a conexão com especialistas e mentores, do Google e de outras empresas, que trabalham em regime de imersão com as startups para destravar os nós do crescimento. 

em uma frase que sempre roubo do Bradley Horowitz [vice-presidente de produtos do Google]: “A gente é muito paciente com resultados e muito impaciente com progresso”. Isso significa que, mesmo que a receita anual demore para aumentar, a empresa participante precisa me mostrar progresso durante a residência. Via de regra, isso significa um crescimento de dez a 15 vezes do MRR [Monthly Recurring Revenue, ou Receita Recorrente Mensal], ou da base de usuários da empresa durante esses seis meses. Isso é uma média, claro.

Algumas crescem até mais. Mas, para elas, o retorno é muito maior do que o crescimento em si. A chancela do Google dá um nível de credibilidade muito alto, em um mercado onde credibilidade é a moeda corrente. Então a startup fica muito mais atraente para os investidores. Eu até brinco com alguns fundos de investimento, dizendo: “Metade do seu portfólio vem do Campus!”.

Você já esteve na posição de dono de negócio e na de agente do poder público, em Minas Gerais. Muitos empreendedores veem no governo um adversário da livre iniciativa. Acredita que o Estado pode ajudar as startups?
Com certeza. O desafio do poder público é entender qual é a dor ou a necessidade do empreendedor em cada momento determinado. É preciso focar essa questão do momento, porque as características desse setor são mutantes.

Se eu adotar uma medida hoje, nada garante que isso terá o mesmo efeito daqui a dois anos. É preciso cuidado para não criar regras que acabem se tornando um peso na vida do empreendedor. Um erro bastante comum é pegar uma política pública na prateleira, que funciona em um lugar e em um tempo determinado, e achar que serve para qualquer caso.

O poder público já tem maturidade suficiente para lidar com o setor de tecnologia?
Eu sou superotimista. Já melhorou muito. Aqui no Campus, recebemos vários grupos de servidores públicos com um interesse genuíno de ajudar seus ecossistemas locais. Só o fato de existir o Campus, e outras iniciativas que servem como fontes de informação, já faz muita diferença. Antes, a terra era muito mais árida. E as próprias startups começaram a ser mais ouvidas pelo governo.

O movimento ganhou força em diversas regiões do Brasil. Essa também é uma das funções importantes do Google Campus: fazer essa interlocução com o poder público, do nível municipal até o federal.

No Brasil, mais pessoas têm acesso a telefones celulares do que a saneamento básico. Como entender essa diferença?
Se pensamos no desenvolvimento do país, não é o caso de focar em um ou outro. Não adianta todo mundo estar conectado e as pessoas não terem acesso a saneamento básico. Mas é claro que a tecnologia pode ajudar a resolver esses problemas. Ela pode dar contribuições valiosas para a área da saúde, por exemplo: análise de dados, integração desses dados pelo sistema público, uso da telemedicina para aliviar a escassez de médicos, algoritmos para detectar doenças. Isso resolve o problema do saneamento básico?

Não, mas ajuda muito a solucionar gargalos do setor de saúde. A tecnologia não será de maneira nenhuma a solução total de nossos problemas, mas será uma grande aliada para resolver essas questões.

André Barrence, Aos 34 anos, é diretor do Campus São Paulo, iniciativa criada pelo Google para fomentar startups no Brasil  (Foto: Nino Andrés)