Notícia - VALENTINA CARAN: "UM NEGÓCIO SÓ DÁ CERTO COM SANGUE NOS OLHOS"
 26/02/19 10:38:35

VALENTINA CARAN: "UM NEGÓCIO SÓ DÁ CERTO COM SANGUE NOS OLHOS"


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Aos 64 anos, Valentina Caran continua à frente daimobiliária que leva seu nome, tem energia de sobra para conduzir a empresa e não pensa em parar. Já se passaram 36 anos desde que decidiu empreender e abrir seu próprio negócio em uma pequena sala comercial alugada na avenida Paulista.

Hoje, mãe de seis filhas e dona de quatro unidades da imobiliária – três em São Paulo e uma no interior –, Valentina ainda encontra tempo para se dedicar à produção artística de duplas sertanejas (“um hobby que não pode dar prejuízo”, segundo afirma).

No 16° andar do icônico Conjunto Nacional, com sorriso aberto e ótimas histórias, ela recebeu a reportagem na ampla sala de reuniões de seu escritório e dedicou uma hora à entrevista. A seguir, confira a íntegra do bate-papo com a empresária que ficou conhecida como a “rainha da Paulista”.

Por que você batizou a empresa com o seu nome?
O meu nome é Valentina Aparecida de Fátima Caran. Eu fui em um numerólogo e ele disse: "tira esses dois nomes do meio e usa só Valentina Caran". Então comecei a usar e, quando abri minha empresa, coloquei o nome. Ele estava certo.

De onde é sua família?
De Monte Mor (SP). Minha família era de lavradores. Éramos meeiros em um sítio. Eu tinha mais seis irmãos. Perdi minha mãe com 9 anos de idade. Meu pai então levava a gente para a roça. Ele colocava um lençol em cima de um pé de mamona e os irmãos menores ficavam embaixo enquanto ele trabalhava. Eu ajudava na roça e me lembro de toda a trajetória, minha memória é muito boa. Lá tinha plantação de tomate, algodão, cana, feijão. Quando fiz 21 anos, eu disse para o meu pai que queria ir para São Paulo, trabalhar na televisão. Era meu sonho estar na telinha. Meu pai disse: “Vai, você é inteligente, vai dar certo”. E aí eu vim morar com uma família que era conhecida nossa, no bairro do Tatuapé.

E como surgiu o trabalho como corretora de imóveis?
Quando me mudei para São Paulo, até cheguei a fazer figuração no SBT, mas não dava dinheiro. Eu tinha um diploma de costura, fiz uma entrevista na Alpargatas, mas não passei. Precisava ajudar minha família, então fui trabalhar como vendedora de livros e enciclopédias da Editora Abril. Eu vendia muito, ia de porta em porta. Um dia, quando fui vender uma coleção para um corretor de imóveis, ele me disse: “vamos vender imóveis! Vender livro é muito desgastante”. E eu respondi: “Mas como? Eu não tenho carro, não tenho CRECI”. Ele disse que podia me apresentar ao gerente de uma imobiliária e eu tinha que dizer que tinha carro, mas que estava na oficina. Foi assim que fui trabalhar na Bolsa de Escritórios de São Paulo. Somos amigos até hoje. Eles me contrataram e fiquei lá por três anos. Eu não sabia nada no começo, fica olhando como os outros corretores faziam. Eu ia nos prédios e colocava placas de “aluga” e “vende” nas portas dos imóveis. Como eu não tinha carro, ia de ônibus encontrar os clientes, mas descia um ponto antes para eles não verem e dizia que tinha estacionado longe. Acostumei tanto a fazer isso que demorei a comprar meu primeiro carro.

Por que você decidiu abrir sua própria imobiliária?
Essa imobiliária onde eu trabalhei ficava na avenida Paulista, mas aí decidiram se mudar para o Jardim América. Eu não me adaptei. Estava acostumada à Paulista, sempre gostei dessa região. Aí decidi abrir um escritório na Paulista. Mas eu não tinha fiador. Tive sorte porque o cara do imóvel olhou para mim e falou que ia alugar, porque eu parecia ser gente boa. E foi assim. Aluguei uma salinha, comprei móveis usados e montei meu escritório.

Como foi esse começo como empreendedora?
Éramos só eu e uma recepcionista. Eu fazia tudo. Eu colocava as placas, ia nos prédios, fazia tudo. Sempre, na minha vida inteira, dependi apenas da minha força de vontade. Nunca fiquei esperando ninguém fazer nada para mim. O número de clientes começou a aumentar, eu não conseguia mais dar conta e comecei a contratar um, dois, três… fui contratando corretores. Aí aluguei mais uma sala. Passaram mais três anos e nos mudamos para um imóvel de 250 m². Depois abri a unidade da Vila Olímpia, Indaiatuba... Mas mantendo sempre a matriz na avenida Paulista.

Por que abriu uma unidade na cidade de Indaiatuba, no interior de São Paulo?
Foi engraçado porque tudo começou com uma reportagem em uma revista. Eu falei na entrevista que tinha um sítio em Indaiatuba, onde ia passar os finais de semana com minha família. Quando a revista com a matéria foi publicada, as pessoas começaram a me procurar para vender terrenos e chácaras na cidade. Aí acabaram os meus finais de semana. Comecei a atender os clientes da região na sala do meu sítio, aos finais de semana. Então precisei alugar uma casinha no centro da cidade para ser meu escritório. Aí fui tocando assim: São Paulo durante a semana e Indaiatuba aos finais de semana. Depois mudei a imobiliária para um local maior. Hoje, essa unidade de Indaiatuba fica em uma chácara bem grande. É minha filha que gerencia lá, então fico mais tranquila. Agora vou lá a cada 15 dias.

E você também empreende no meio artístico, certo?
É, tenho a Valentina Caran Produções, a VCP. Invisto no meio artístico porque gosto de sertanejo desde que eu era pequena. Está indo super bem também. É mais um hobby, mas não pode dar prejuízo.

Quantos empregos você gera no total?
Gero emprego para mais de cem pessoas, se contar tudo. Meus corretores são autônomos, prestam serviço por meio de Pessoa Jurídica. A maioria deles está há muitos anos comigo.

Quantos imóveis há na sua base atualmente?
Entre dez e doze mil no total, entre São Paulo e interior – Indaiatuba, Monte Mor, Capivari, Salto... Também temos parcerias no Rio de Janeiro e em Miami. Meu foco são os imóveis comerciais: prédios, lajes, terrenos, galpões. 99% da empresa é dedicada a imóveis comerciais, desde o início da minha atuação. Nesse mercado, o mais forte é locação, mas também trabalhamos com vendas. Atendemos grandes investidores e fundos.

Você sentiu reflexos da crise imobiliária dos últimos anos? 
As empresas foram diminuindo e os preços dos imóveis foram caindo. Fora isso, como muitas empresas estavam no vermelho, às vezes não conseguíamos fechar uma locação por conta disso. E se não sai locação, não tem comissão... Eu não senti tanto essa crise porque tenho estrutura e trabalhei muito. Agora as coisas estão melhorando.

Como você consegue manter sua empresa atualizada em um cenário de constante transformação como o que vivemos?
O escritório é moderno, mas eu não sei nem mexer em computador, para você ter ideia. Minha memória é tão boa que meus funcionários me chamam de Google. O cliente me liga eu já convido para ver o imóvel. Eu mostro e já fecho. Os corretores de hoje passam e-mail, marcam a visita. Enquanto eles estão marcando visita, eu já estou fechando o negócio. Aprendi a trabalhar assim: "vamos lá ver"! E pronto. É um dom mesmo. Acho que o corretor que fica mais com o cliente fecha mais. Tem que ter muita garra e dedicação.

E como você lida com a concorrência?
Eu não tenho concorrente, tenho colega de trabalho. A gente faz parcerias se for preciso. Mas o fato é que nossa carteira de imóveis é grande e de clientes também, entendeu? Tem que trabalhar.

Quantos imóveis já passaram pela sua imobiliária?
Não sei. Eu já vendi vários prédios inteiros. Não tem nem como quantificar. São 36 anos de empresa.

Qual foi o maior desafio ao longo desses anos?
Não sei… Alguns me perguntam se o fato de eu ser mulher foi um desafio, mas não foi. Eu faço meu trabalho há quase quarenta anos, não ligo para concorrente. A atuação da minha imobiliária é agressiva com placas, com internet… Nunca tive problemas.

Com surgiu o apelido “Rainha da Paulista”?
Eu ia muito nos prédios aqui da Paulista e deixava meus cartões com porteiros e zeladores. Aí os clientes que iam nos prédios procurar imóveis pegavam vários cartões meus e depois vinham me dizer: “você é a rainha da Paulista?”. Também teve reportagem me chamando assim, aí pegou, ficou.

O que você recomenda para os empreendedores que estão começando agora?
Eu brinco que tem que ter “sangue nos olhos”. O “não” todo mundo já tem. Tem que buscar o sim. Tem que trabalhar, tem que articular e ser humilde. Tem cara que chega em uma portaria de prédio de nariz empinado, não dá bom dia ao porteiro. Eu não. Sempre me apresento, pergunto o que tem acontecido no prédio, se tem gente interessada em vender, alugar… Já fiz muito isso. Ainda faço de vez em quando se dá tempo. E tem que trabalhar muito. Eu hoje trabalho 8 ou 9 horas por dia, mas por muito tempo cheguei a trabalhar 15 horas por dia.

Como é sua rotina?
Hoje em dia eu chego na imobiliária entre meio-dia e uma hora da tarde. Aí vou direto até às nove da noite. Rende muito, deixo tudo organizado. Depois de determinado horário eu não atendo mais o telefone, para conseguir focar.

Você atende os clientes ainda hoje?
É lógico! Eu vou, mostro prédio, faço tudo.

Você alcançou todos os seus sonhos como empreendedora?
Olha, se analisar que quando cheguei em São Paulo eu só queria uma kitnet e um carrinho, eu alcancei. Era o meu sonho. Hoje eu vivo de renda. Mas eu trabalhei muito para isso. A vida é cheia de conquistas, precisa ter motivação. Acho que sempre temos que continuar sonhando. Se não, a vida fica sem sentido. Eu não quero ter muito dinheiro. Eu quero viver bem.

Você tira férias?
Não. Até que tenho ido mais para o Guarujá ultimamente aos finais de semana e passo o dia na praia. Mas aí já quero sair e ver como está o mercado imobiliário na região. Eu não consigo ficar fazendo uma coisa só. Esses dias eu viajei para o Uruguai, só três dias, rapidinho, foi bom. Também já fui para Síria e gostei muito. Mas detestei a Itália. Se eu viajasse mais seria bom, porque abre a cabeça. Mas eu já nasci agitada e trabalho muito.

E já planeja sucessão?
Três filhas minhas trabalham comigo, é um orgulho. Com elas, eu estou ficando mais tranquila, mas não quero parar. Sou agitada, gosto do meu jeito. Fazer nada também cansa, eu acho. Eu tenho saúde, acabei de fazer um check-up e estou melhor do que há dez anos. Ultimamente estou mais focada do que nunca. Estou com muita garra para 2019. Eu vou lá, eu vendo.

Seu lema é “não existe mercado parado. Existem pessoas paradas”, certo?
É isso. E tem outro também que gosto: “enquanto você chora, eu vendo lenço”.