Notícia - A importância de correr riscos
 06/05/19 17:53:08

A importância de correr riscos


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    “Nós somos cada vez mais governados por uma elite intelectual, política, econômica e cultural que não arca com as consequências das decisões que toma”. Esta é uma das muitas afirmações bombásticas que resumem a mensagem de “Arriscando a própria pele – Assimetrias ocultas no cotidiano” (Objetiva, 312 pgs. R$ 54,90), o último livro de Nassim Nicholas Taleb, autor do best-seller “A lógica do cisne negro”.

    Com um tom sempre provocador, Taleb sugere que deveríamos retomar a antiga prática romana de obrigar os engenheiros a passar a noite sob a ponte que projetaram. Para o autor, o governante que ordena uma intervenção militar, mas não acompanha as tropas, e o banqueiro que recomenda a compra de uma ação, mas não a inclui em sua própria carteira de investimentos, não podem ser levados a sério. Em outras palavras, só deveriam merecer respeito as decisões que envolvam algum risco pessoal – ou seja, que coloquem em risco a pele de quem decide.

    Trafegando entre o ensaio e a autoajuda, entre a filosofia moral e as análises estatísticas, Taleb investiga os processos por meio dos quais instituições, governantes e empresas passaram a transferir riscos e prejuízos e a se eximir cada vez mais de assumir responsabilidades sobre as decisões que tomam – decisões que geralmente afetam toda a sociedade.


Leia aqui um trecho de “Arriscando a própria pele”


    Taleb sabe do que está falando. Ele corretamente previu as crises do mercado financeiro de 1987 e 2008. Nos dois casos, ele colocou a pele em jogo, uma vez que operava diretamente como trader: eram seu próprio dinheiro e sua própria reputação que estavam em risco – o que não costuma acontecer com os colunistas de economia dos grandes jornais, representantes clássicos de um fenômeno que Taleb denuncia em seu livro: os intelectuais públicos que não sofrem nenhuma consequência, profissional ou financeira, por fazerem análises e previsões que se revelam miseravelmente equivocadas.

    Matemático de formação, Taleb é libanês de nascimento e hoje divide seu tempo entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Apelidado de “Nietzsche de Wall Street”, ainda muito jovem, em 1987, ele fez uma operação de alto risco na bolsa de Nova York e ganhou uma pequena fortuna: seu método foi apostar em um “cisne negro”, um evento inesperado e imprevisível. Desde então ele se dedica a escrever e fazer palestras sobre a incerteza, a aleatoriedade e o risco, que se tornaram os temas de seu livro mais famoso. Depois do “Cisne negro”, vieram “Iludidos pelo acaso – A influência oculta da sorte nos mercados e na vida” e “Antifrágil – Coisas que se Beneficiam com o Caos”. Todos esses livros fazem parte de um mesmo projeto, denominado “Incerto”.

    “Arriscando a própria pele” é escrito de forma assistemática e reiterativa, o que pode incomodar alguns leitores. Do início ao fim do livro, Taleb basicamente repete as mesmas teses, aplicadas a diferentes áreas do conhecimento e do comportamento. Ainda assim, o próprio autor identifica seus quatro eixos de reflexão:

1) A confiabilidade do conhecimento: “...a importância de identificar e filtrar a baboseira, o papo furado, isto é, a diferença entre teoria e prática, conheci-mento verdadeiro e cosmético, entre o mundo acadêmico, no pior sentido da palavra, e o mundo real”;

2) A simetria em assuntos humanos: “...reciprocidade: se você obtém as recompensas, deve também correr alguns riscos, e não permitir que outros paguem o preço pelos seus erros. Se você inflige riscos a outras pessoas, e elas são prejudicadas, você deve pagar um preço por isso”;

3) Informações compartilhadas: “...a quantidade de informação que uma pessoa deve compartilhar em termos práticos com os outros; o que um vendedor de carros usados deveria — ou não deveria — dizer sobre o veículo no qual você está prestes a gastar um pedaço substancial de suas economias”;

4) Racionalidade no mundo real: “...o teste do tempo. No mundo real a racionalidade não tem a ver com o que faz sentido para o jornalista da revista “The New Yorker”, mas algo muito mais profundo e estatístico, vinculado à sua própria sobrevivência”.