![](https://educador.art.br/./uploads/8f43b-img207577.jpg)
Tudo que você precisa é menos
![](https://educador.art.br/./uploads/29081_7.jpg)
Imagem:
Isabel Alves saía sempre exausta do trabalho em um escritório de moda em São Paulo. Para piorar, o trânsito infernal da capital paulista deixava a volta para casa ainda mais desgastante. Mas ela tinha uma solução para compensar todo aquele estresse: sempre comprava um presente para si própria. “A gente trabalha tanto, enfrenta congestionamento. Sentia a necessidade de mostrar para mim que aquilo tudo estava valendo a pena”, recorda.
Comprava roupas, maquiagem, sapatos ou qualquer comida muito gostosa. Mas esse tempo ficou para trás. Não que tenha sido fácil. Desde a adolescência, Alves nunca havia pensado em frear seus gastos: os pais haviam passado por uma crise durante sua infância e, quando o dinheiro deixou de ser problema, eles compensaram aqueles dias difíceis com muitos mimos.
Torrar dinheiro, afinal de contas, é uma delícia: libera uma boa dose de dopamina, a famosa substância química de prazer e bem-estar. Pesquisadores britânicos da Neuroco, uma empresa de neuromarketing, monitoraram os impulsos nervosos de voluntários durante um passeio no shopping. E, sem surpresas, quando essas pessoas compravam algo, o sistema dopaminérgico brilhava muito mais.
A hipótese dos cientistas é que nosso organismo guarda resquícios da memória de uma época de vacas magras, quando o ser humano dependia da caça e da coleta. Sem um supermercado repleto de produtos nas prateleiras, aqueles tempos ensinaram ao nosso corpo que o melhor a fazer é consumir e acumular uma reserva de gordura para os dias difíceis — nunca se sabia quando aqueles recursos estariam à disposição novamente. E essa regra influencia nosso comportamento até hoje.
Só que o tempo de escassez acabou. Ou melhor, acabou para alguns: os 795 milhões de pessoas no planeta que ainda passam fome não sabem o que é viver com abundância de recursos e, claro, não têm a menor chance de acumular nada, nem comida. Enquanto isso, a parcela endinheirada da população continua a reproduzir nosso instinto primitivo e consome quase todas as coisas produzidas no mundo.
De acordo com o Banco Mundial, os mais ricos, 20% da população global, abocanham 76,6% dos produtos. Já a classe média, 60%, consome 20% de tudo o que é produzido. O resto fica na (ínfima) conta dos mais pobres.
Nesse ritmo de acumulação e consumo, caminhamos para um desastre. A cada ano, a humanidade precisa de 1,7 planeta para se recuperar do uso excessivo de seus recursos naturais e da poluição causada por ela mesma, como revelam os cálculos da Global Footprint Network, responsável por avaliar os impactos ambientais gerados por alguns países. Uma conta que, definitivamente, não fecha.
![Info (Foto: João Pedro Brito) Info (Foto: João Pedro Brito)](http://s2.glbimg.com/1sn5gIbRgdAvbHzoxke7QU7kVi8=/e.glbimg.com/og/ed/f/original/2017/08/24/info-viver-com-menos.jpg)
Para Isabel Alves, a percepção desse problema ficou clara em 2015, quando viajou para Hamburgo, na Alemanha, e assistiu a uma palestra sobre moda sustentável. Depois do evento, a jovem decidiu mudar seus hábitos de compra. “Mostraram um vídeo com a quantidade de roupa descartada por ano, com a exploração das pessoas nessa cadeia de produção — quanto recebem por cada peça, quanto tempo trabalham”, lembra.
Ela ficou tão chocada com aquela realidade que colocou uma ideia na cabeça: passar um ano inteiro sem comprar coisas novas. Redescobriu peças pouco ou nunca utilizadas no guarda-roupa, acessórios e itens de maquiagem intocados.
E encontrou, enfim, seu próprio estilo. A designer de moda cortou também o consumo de carne, abriu um brechó virtual, trocou produtos de limpeza por opções naturais e passou a se preocupar mais com o lixo produzido. Foi uma revolução. E, um ano depois, a mudança em sua vida era irreversível.
Alves faz parte de um grupo de pessoas que cortou os excessos. É o que chamam de minimalismo ou simplicidade voluntária. Não se trata apenas de viver em uma casa pequena, com poucos móveis. O que interessa é a mudanças de valores — o desapego às coisas materiais — no ritmo que cabe a cada um.
“Alguns se importam com o meio ambiente, outros com o estresse causado por seus empregos. Outros buscam uma vida mais espiritualizada ou querem mais tempo com a família. Não existe uma motivação padrão”, afirma o psicólogo Tim Kasser, do Knox College, nos Estados Unidos, e autor do livro The High Price of Materialism (em tradução livre, O Alto Preço do Materialismo — editora Bradford Book, 195 páginas, R$ 80, sem edição no Brasil).
“A única certeza que se tem nessa sociedade cheia de opções é que, se há dez produtos e você escolhe apenas um, você perdeu os outros nove. E aí algumas pessoas escolhem as dez coisas. São obesos do desejo”, diz o psicanalista Jorge Forbes, autor de Você Quer o que Deseja? (Editora Best-Seller, 212 páginas, R$ 34,90). “Até que um dia a pessoa descobre que é muito pouco criativo ser consumista e muito covarde diante da subjetividade do desejo humano — quando você compra tudo, abre mão da sua escolha.”
No Brasil, uma das discussões mais recentes sobre essa tendência aconteceu nas redes sociais. Participante da edição 2017 do programa MasterChef, a pequisadora Caroline Martins foi criticada pelos internautas por sempre aparecer com as mesmas peças de roupas.
A resposta dela foi clara: “Eu vivia cheia de dívidas. Me desprender do consumismo excessivo foi uma das minhas melhores decisões. Então, coleguinhas que me perguntam, a resposta é: Sim! Só tenho estas roupas! E sim, só tenho duas botinhas! Com muito orgulho!”.
Não é uma apologia à pobreza, mas sim à sobriedade, como disse o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica no documentário Humano. Nas palavras dele: “Quando eu compro algo, ou você, não se paga com dinheiro. Pagamos com o tempo de vida que tivemos de gastar para ter aquele dinheiro. Mas tem um detalhe: a única coisa que não se compra é a vida. A vida se gasta. E é lamentável desperdiçar a vida para perder a liberdade”.
Saiba mais sobre os impactos ambientais do consumismo - e como isso pode fazer mal para você - e descubra outras histórias de pessoas que passaram a viver com menos na reportagem de capa da edição de setembro (314). Para ler o texto completo, baixe o Globo Mais ou o app da GALILEU (disponível na Apple Store e no Google Play) ou assine a revista a partir de R$ 4,90.