08/11/18 10:20:40
Você tem o Whatsapp do seu médico?
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É provável que você já tenha enviado uma mensagem de texto para um médico. As chances são maiores se tiver filhos — se a criança manifesta sintomas desconhecidos, se surge uma dúvida fora de hora, muita gente passa a mão no smartphone e abre o Whatsapp. Os brasileiros são especialmente entusiasmados nessa modalidade de comunicação entre médicos e pacientes: uma pesquisa da consultoria americana Cello Health estimou que 30% dos médicos em todo o mundo já responderam a dúvidas de pacientes por aplicativos de mensagens. No Brasil, essa porcentagem é muito maior: chega a 87% (contra 2% dos EUA e 4% do Reino Unido).
Ainda que comum, a prática desperta alguma desconfiança entre profissionais. Primeiro porque nada substitui o contato presencial, quando o médico pode fazer uma anamnese cuidadosa, e estabelecer vínculos importantes com o paciente. Depois porque ainda não é claro que tipo de orientação os profissionais podem prestar por meio desses aplicativos de mensagem, e em quais ocasiões isso é aceitável.
Um estudo da Universidade Estadual do Pará tentou preencher algumas lacunas dessa discussão. Os pesquisadores fizeram entrevistas com médicos do ambulatório de pediatria e obstetrícia da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. O objetivo era avaliar a frequência da comunicação via Whatsapp, e descobrir quais os prós e contras apontados pelos profissionais. Os resultados foram publicados neste mês na Revista Bioética, uma publicação do Conselho Federal de Medicina.
Os dados levam a crer que a maior parte dos envolvidos vê a prática com bons olhos. Primeiro porque a maioria é adepta: 62,5% dos médicos da amostra já haviam respondido dúvidas dos pacientes por aplicativos de mensagens. E 25% deles acham que o aplicativo é útil para enviar o resultado de exames. Eles também acreditam (ou ao menos 25% deles acreditam) que a prática melhora a relação com os pacientes.
Mesmo assim, persiste algum desconforto. Quase 40% dos médicos disse temer que os pacientes deixem de respeitar limites, e comecem a usar o Whatsapp a qualquer hora — ou, pior, para tentar substituir consultas presenciais por dúvidas respondidas à distância.
Há também preocupações quanto à privacidade dos dados. A maior parte dos médicos que participou da pesquisa usava o celular pessoal para responder às dúvidas ou encaminhar resultados de exames. Isso pode deixar vulneráveis informações dos pacientes.
O estudo destaca que, ao longo dos últimos anos, se tornaram comuns consultas de médico aos conselhos de medicina, em busca de orientações sobre como usar essas novas ferramentas. Está claro que podem ser úteis — sobretudo naqueles casos em que os pacientes vivem em regiões isoladas, de difícil deslocamento. Uma nota do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, homologada em 2016, afirma que essa comunicação à distância só é aceitável naquelas ocasiões em que o médico já conhece o quadro clínico do paciente, e apenas pretende comunicar orientações simples. Por ora, a consulta presencial, a conversa longa e cuidadosa ainda são essenciais.
Rafael Ciscati é repórter de ÉPOCA e O Globo, escreve às terças-feiras sobre políticas públicas para a saúde